Por CELSO MING - O Estado de S.Paulo
A presidente da Argentina, Cristina Kirchner, lembrou ontem o governo
populista do venezuelano Hugo Chávez. Decretou a renacionalização da YPF
(Yacimientos Petrolíferos Fiscales), que em 1999 havia sido vendida em leilão
público para a Repsol - controlada por capitais espanhóis. A YPF é responsável
por 65% da produção de petróleo e gás natural do país.
A decisão foi empacotada como operação de soberania energética, do tipo "o
petróleo é nosso". A expropriação de 51% das ações será paga por valor a ser
determinado pelo Tribunal de Contas, sabe-se lá com que critério.
A acusação contra a YPF é de que se tornou uma empresa predatória, que não
reinveste seus lucros na Argentina: "Entre 1999 e 2011, a YPF registrou lucro de
US$ 16,5 bilhões e distribuiu US$ 13,2 bilhões em dividendos. Não temos problema
com a rentabilidade, mas com que esses lucros não sejam reinvestidos na
Argentina para atender às necessidades do país", disse Cristina.
Só as ditaduras determinam o que uma empresa pode ou não fazer com seus
lucros. No caso da Argentina, grande número de empresas - e não somente a YPF -
não tem interesse em investir, porque o atual governo tabelou os preços ao
consumidor. Eles seguem sendo reajustados muito abaixo da inflação, porque os
números oficiais são achatados, por manipulação do governo.
A YPF não é a única do setor que vinha sendo pressionada a investir. A
Petrobrás, que também atua na Argentina, vinha sendo cobrada pelo mesmo motivo.
Um dos desdobramentos dessa decisão tomada é seu potencial gerador de crise
diplomática. Há dias, o primeiro-ministro da Espanha, Mariano Rajoy, advertiu o
governo da Argentina que um ataque aos interesses da YPF seria entendido como um
ataque ao próprio Estado espanhol. No passado, fantásticos carregamentos de ouro
e prata provenientes de suas então colônias latino-americanas chegavam aos
portos de Espanha. Em alguma medida esse afluxo está se repetindo agora (veja o
Confira) e o governo espanhol teme perder essa riqueza quando mais precisa dela
para tirar a economia da crise. Cristina avisou que vai pagar para ver: "Esta
presidente não vai responder a nenhuma frase insolente que alguns disseram. Sou
chefe de Estado, y no una patotera".
A motivação mais profunda de Cristina é interna. Assim como tentou
redespertar movimentos nacionalistas com a reabertura do caso Malvinas, parece
determinada a evocar questões de soberania para tirar do foco as sérias
condições da economia, que enfrenta inflação de 24% ao ano, desemprego já
próximo dos 7% e forte desaceleração econômica.
O momento é de escassez de moeda estrangeira. Depois do calote de mais de 80%
da dívida externa em 2001, a Argentina tem de viver da mão para a boca. Só pode
usar os recursos externos que vem obtendo com exportações, hoje cadentes. Daí
por que passou a controlar um a um os pedidos de importação.
Os relatórios não oficiais são de que os próprios argentinos esperam pelo
agravamento da crise externa. Tiraram do País ou entesouraram (guardando debaixo
do colchão) nada menos que US$ 30 bilhões em 2011, o equivalente a quatro meses
de exportação.
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