segunda-feira, 24 de abril de 2017

LAVA-JATO: Convicção de que escaparia da Lava Jato custou caro à Odebrecht

FOLHA.COM
 MARIO CESAR CARVALHO, DE SÃO PAULO

Rivaldo Gomes/Folhapress

Em julho de 2014, quando a Operação Lava Jato era um bebê sem dentes de quatro meses e a Odebrecht parecia estar sob proteção do governo petista e impossível de ser investigada, advogados da companhia ouviram pela primeira vez de integrantes da força tarefa a ideia de fazer um acordo de delação.
A sugestão era que a Odebrecht confessasse crimes que teria praticado em negócios com a Petrobras e pagasse multa US$ 20 milhões.
Maurício Ferro, cunhado de Marcelo Odebrecht e diretor jurídico do grupo à época, ridicularizou a oferta. O próprio Marcelo, que seria preso 11 meses depois dessa oferta, também desdenhou: dizia que jamais conseguiriam provar algo contra a companhia.
Em dezembro de 2016, quando a Odebrecht se rendeu aos investigadores da Lava Jato, segundo a definição do advogado Theo Dias (que negociou o acordo), a multa a ser paga multiplicara-se 130 vezes em relação à primeira oferta e alcançara estratosféricos US$ 2,6 bilhões.
Foi o preço que a Odebrecht pagou por acreditar que daria um jeito e conseguiria escapar da Lava Jato.
Não houve jeito.
Um dia depois da prisão de Marcelo, em junho de 2015, o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, um dos coordenadores da Lava Jato em Curitiba, comemorava que nenhum acordo tivesse ido adiante. Pela primeira vez na história do país, o presidente da maior empreiteira brasileira ia para a prisão.
Dentro e fora da prisão, segundo relatos — alguns deles de delatores da própria empresa—, Marcelo coordenou ao menos seis esforços para acabar com a Lava Jato:
1) Advogados contratados pela Odebrecht são suspeitos de tentar corromper policiais federais contrários à Lava Jato, para mostrar que havia ilicitudes na operação e por isso ela deveria ser anulada;
2) Marcelo conseguiu, segundo o ex-senador Delcídio do Amaral, que Dilma Rousseff nomeasse um ministro para o Superior Tribunal de Justiça, Marcelo Navarro, com a promessa de que ele soltaria o executivo;
3) Advogados da empreiteira teriam conseguido com o ministro da Justiça à época, José Eduardo Cardozo, provas vindas da Suíça sobre as contas usadas pela Odebrecht; a meta seria impedir o envio dos papeis ao Brasil;
4) Marcelo diz ter acionado o governador de Minas, Fernando Pimentel, próximo à então presidente Dilma, para avisá-la, no final de 2014, de que a campanha petista recebera pagamentos via caixa dois para o marqueteiro João Santana.
O recado enviado a Dilma dizia: "Ela cai, eu caio".
5) Marcelo conta também que procurou outro assessor muito próximo de Dilma, Giles Azevedo, no primeiro ano da Lava Jato, para alertá-lo de que o Planalto deveria fazer de tudo para libertar os executivos da OAS e da UTC que estavam presos em Curitiba, porque havia alto risco de que fizessem acordo de delação.
6) Numa viagem ao México, em maio de 2015, um mês antes de ser preso, Marcelo diz ter avisado Dilma de que a Lava Jato iria chegar aos pagamentos ilícitos feitos na Suíça ao marqueteiro do PT. "A Lava Jato vai descobrir tudo", teria sido o alerta.
Todas as supostas estratégias deram errado.
Um dos advogados da Odebrecht chegou a ser indiciado sob suspeita de corromper agentes da PF.
Marcelo Navarro votou a favor da libertação de Marcelo, mas outros ministros do STJ optaram por negar o pedido de habeas corpus. Após a delação de Delcídio, ele negou que houvesse compromisso ligado a sua indicação.
A Odebrecht não conseguiu evitar a vinda da documentação suíça, e o dono da UTC, Ricardo Pessoa, tornou-se de fato delator.
E, se a Lava Jato não descobriu tudo, revelou o suficiente para dobrar a Odebrecht.
O primeiro passo foi dado em setembro de 2014, quando o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa fechou acordo de delação com procuradores, revelou que recebera US$ 31,5 milhões da Odebrecht na Suíça e entregou os extratos para a força-tarefa.
Foi a partir dessa movimentação financeira na Suíça que os procuradores em Curitiba descobriram contas secretas, em nome de terceiros, que a companhia usava para pagar propina.
A empresa continuou negando que as contas fossem suas e adotou um discurso agressivo contra procuradores, delegados da PF e o juiz Sergio Moro, a quem acusava de arbitrariedade e violações da lei.
Os ataques, em vez de intimidar os investigadores, serviram para elevar a voltagem contra a Odebrecht.
A operação que nocauteou a empresa, em fevereiro de 2016, tinha um nome que soava brincalhão (Acarajé, como sinônimo de propina), mas teve o efeito de um tiro de fuzil na testa.
Uma das funcionárias investigadas, a secretária Maria Lúcia Tavares, revelou à força-tarefa que trabalhava num setor responsável por pagar propina e, por descuido da Odebrecht, decidiu fazer um acordo de delação.
A empresa contratara a equipe de advogados mais cara da Lava Jato, mas deixara uma secretária se sentir à deriva após ser presa em Curitiba. Foi a batalha de Waterloo da companhia. Assim como Napoleão perdeu o título de imperador com a derrota, o grupo perdeu o porte de império com essa delação.
Foi a partir da decisão de Maria Lúcia que Emílio Odebrecht, presidente do conselho de administração do grupo, decidiu fazer o acordo de delação. A avaliação era que a insistência em negar o que os investigadores já sabiam podia levá-los à bancarrota.
Com as descobertas da Lava Jato, a maior empreiteira do país, que faturou R$ 132 bilhões em 2015, já não conseguia crédito em bancos.
Sem novos negócios, o número de funcionários caiu de 180 mil antes da operação para 80 mil neste mês.
A dívida bruta do grupo, de cerca de R$ 80 bilhões, está em níveis perigosos para quem terá de pagar uma multa de US$ 2,6 bilhões só para três países (Brasil, Estados Unidos e Suíça). É a maior multa em acordos do gênero já cobrada no mundo.
A grande dúvida que paira entre executivos da Odebrecht é se a companhia conseguirá suplantar o dano causado à reputação da empresa pelos escândalos de corrupção a que foi ligada.
O sonho de consumo da Odebrecht é que o grupo siga o caminho da Siemens, o maior grupo industrial europeu. Em 2006, a empresa foi apanhada pagando propina em escala global e, dois anos depois, fez um acordo pelo qual teve de pagar multas de US$ 1,3 bilhão.
A Siemens implantou um sistema de conformidade ética que se tornou padrão mundial, deu a volta por cima e hoje fatura mais do que quando as autoridades descobriram os subornos.
Se o plano de ser uma Siemens fracassar, o que é dito em voz baixa na empresa é que há um culpado óbvio: Marcelo Odebrecht e sua estratégia de negar o que procuradores e policiais já sabiam e de que, em alguns casos, tinham provas.
OUTRO LADO
Em nota, a Odebrecht afirmou que "já reconheceu os seus erros, pediu desculpas públicas e está comprometida a combater e não tolerar a corrupção em quaisquer de suas formas".
Disse ainda que entende ser de responsabilidade da Justiça a avaliação de relatos específicos feitos por ex-executivos e executivos em seus depoimentos e que está colaborando com a Justiça no Brasil e nos demais países em que atua.
A Odebrecht diz que, após o fechamento do acordo de leniência no Brasil, nos EUA e na Suíça, "está concentrada no retorno às suas atividades normais com acesso a crédito, credenciamento para participação em novas concorrências e possibilidade de oferta de empregos", e que o grupo "continua avançando positivamente" na reestruturação de negócios.

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