Da CONJURPor Rogério Barbosa
Uma decisão recente anulando um auto de infração do Fisco paulista reaviva a
discussão sobre a possibilidade de a Fazenda pública ter acesso a informações de
contribuintes sem passar pelo Judiciário. O caso envolveu os serviços prestados
por operadoras de cartões de crédito — assunto que aguarda definição no Supremo
Tribunal Federal. Na sentença, o juiz afirma ser ilegal a lavratura de auto de
infração com base apenas nas informações prestadas pelas operadoras.
“O Fisco não pode tomar qualquer ingresso do contribuinte como receita
tributável”, disse o juiz Randolfo Ferraz de Campos, da 14ª Vara da Fazenda
Pública de São Paulo, em sentença de fevereiro que anulou um Auto de Infração e Imposição de Multa (AIIM) aplicado a uma
microempresa de comércio. Segundo ele, para a Fazenda autuar a empresa Ana
Carolina Almeida Silva ME, precisaria antes instaurar um processo administrativo
ou procedimento fiscal e confrontar informações obtidas junto às operadoras de
cartão de crédito e débito com outros dados, “apresentando a regularidade dos
ingressos, pagamentos e investimentos que demonstrem padrão de receita superior
ao declarado”.
A Fazenda autuou a empresa após verificar conflito entre as informações
fornecidas por administradoras de cartões de crédito e as que foram prestadas
pela empresa em declarações. As operações fiscalizadas compreendiam o período de
maio de 2007 a dezembro de 2008. Após a análise dos dados, o Fisco concluiu pela
aplicação de multa e reconhecimento de uma dívida de ICMS.
A empresa, representada pelo advogado Périsson de Andrade,
do escritório Périsson Andrade Advocacia Empresarial, alegou que não forneceu
esclarecimentos ao Fisco porque o prazo concedido de dez dias para manifestação
era muito curto, se levado em consideração o número e a complexidade das
informações. Segundo ele, o fornecimento dos dados seria possível se a Fazenda
tivesse aberto processo administrativo, já que, neste caso, abre-se prazo de 30
dias para resposta.
No pedido de anulação do auto na Justiça, Andrade alegou que as informações
obtidas pela Fazenda eram insuficientes e conseguidas de forma ilegítima, e que
a obtenção dos informes, sem autorização judicial prévia, violou garantia
constitucional de intimidade e de sigilo bancário.
O juiz Randolfo de Campos concluiu que, embora o Fisco tenha acessado os
dados fornecidos pelas administradoras dos cartões, como disciplina a Portaria
CAT-87, deixou de instaurar processo administrativo e cumprir o script previsto
no artigo 144, caput, do Código Tributário Nacional. Para o juiz, a autuação só
seria legítima se tivesse confrontado livros e registros das operadoras com os
da empresa.
A Lei 10.174/2001, que alterou a Lei 9.311/1996, passou a facultar à
Secretaria da Receita Federal que se utilizasse de informações das operadoras de
cartões para instaurar procedimento administrativo e verificar a existência de
crédito tributário relativo a impostos e contribuições. Para o juiz, no entando,
a validade do dispositivo pode ser colocada em dúvida, “pois o CTN, norma geral
de Direito Tributário, no seu artigo 197, inciso II, exigia intimação escrita,
dando a entender que a prestação de informações teria de se dar caso a
caso”.
Para o advogado Périsson de Andrade, a decisão é importante por chamar a
atenção para o que vem se tornando uma prática do Fisco paulista. “É relevante,
tendo em vista que o volume de autuações ainda é grande e as informações de
cartão de crédito também vêm sendo usadas para desenquadrar muitas empresas do
Simples. A decisão também mostra que o Fisco estadual continua agindo contrário
ao que a Justiça já considerou ilegal.”
Segundo ele, o volume de autuações dessa natureza deve aumentar devido à
publicação da Portaria CAT 154/2011 pela Secretaria de Fazenda do estado. A
norma instituiu sistema eletrônico de transmissão de informações das operadoras
de cartão para o Fisco, o que facilita o cruzamento de dados.
Cartão vermelho
O caso da microempresa foi um entre milhares que foram autuadas na operação Cartão Vermelho, do Fisco paulista. Em 2007, a Fazenda, por meio da Portaria CAT 87/2006, solicitou às administradoras de cartão de crédito e débito o envio dos registros de operações. Com base nestas informações, o Fisco detectou a ocorrência de diferenças no recolhimento do ICMS de 93,6 mil empresas, somente em 2006.
O caso da microempresa foi um entre milhares que foram autuadas na operação Cartão Vermelho, do Fisco paulista. Em 2007, a Fazenda, por meio da Portaria CAT 87/2006, solicitou às administradoras de cartão de crédito e débito o envio dos registros de operações. Com base nestas informações, o Fisco detectou a ocorrência de diferenças no recolhimento do ICMS de 93,6 mil empresas, somente em 2006.
Para o advogado Périsson de Andrade, a operação é inconstitucional, pois
infringe o sigilo bancário sem ordem judicial prévia. Segundo ele, a Lei
Complementar 105/2001, na qual o Fisco se baseia, somente autoriza a quebra do
sigilo dentro de um processo administrativo prévio, que por sua vez só pode ser
aberto quando constatados indícios suficientes. “A operação Cartão Vermelho
notifica para depois instaurar o processo administrativo, sem qualquer outra
diligência ou fiscalização efetiva”, diz.
Leia aqui a íntegra da decisão.
Rogério
Barbosa é repórter da revista Consultor Jurídico.
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