Por CELSO MING - O Estado de S.Paulo
A decisão do governo da presidente Cristina Kirchner de expropriar a YPF,
empresa de capital espanhol, principal produtora de petróleo e gás da Argentina,
já é produto de radicalização da atual política econômica do país. E agora, como
ficou muito difícil um recuo, a manutenção desse jogo pede ainda mais
radicalização.
A legitimação do atual governo tem sido fortemente apoiada no subsídio ao
consumo. Para ganhar a boa vontade do eleitor, o regime tratou de garantir renda
com base no achatamento dos preços, dos salários e das aposentadorias. Assim,
acumulam-se distorções. Uma delas foi o salto da demanda por energia e
combustíveis, que a oferta interna não vem sendo capaz de cobrir por falta de
investimentos.
A reestatização da YPF acaba por dar razão à parada anterior dos
investimentos. Se os controladores da YPF perderam muito dinheiro com a decisão
do governo de Buenos Aires, mais ainda teriam perdido se tivessem feito os
investimentos reclamados pelo governo da Argentina.
O passo dado atropela a ordem jurídica. Será preciso que muita coisa mude
para que o empreendedor volte a se sentir seguro nos seus investimentos na
Argentina, porque a qualquer momento estará sujeito a ser surpreendido por
decreto de desapropriação por utilidade pública. E isso não vale só para o
capital estrangeiro. Atinge qualquer investidor e, sobretudo, o próprio
argentino, que não terá nenhum apoio político externo, como a YPF está merecendo
dos governos da Espanha e da União Europeia.
Com o fim do regime anterior de convertibilidade cambial, as grandes
intervenções começaram em 2001, com o megacalote da dívida externa, de mais de
US$ 70 bilhões. Depois veio a estatização dos fundos de pensão, em 2008, cujo
patrimônio, superior a US$ 30 bilhões, deixou de ser gerido pelo setor privado,
tomado pelo governo. E agora vem essa nacionalização, por questão de soberania
energética.
Se for confirmada a queda expressiva dos investimentos, o governo de Buenos
Aires terá de intensificar sua intervenção na economia, numa escalada cujos
limites e desdobramentos econômicos e políticos são hoje de difícil
avaliação.
A falta de investimentos tende a agravar choques de oferta na economia
argentina. Como relatou ontem o jornal portenho El Clarín, o aumento do consumo
de combustíveis vinha exigindo suprimento de importações que, para 2012, estavam
projetadas em US$ 12 bilhões, o equivalente a dois meses de exportações
totais.
O forte superávit da balança comercial da Argentina, de US$ 12,5 bilhões em
2008, cai ano a ano e ameaça resvalar para o vermelho. É a
principal razão pela qual o governo de Cristina Kirchner decidiu monitorar um a
um os pedidos de importação.
O governo da Argentina já vinha sendo duramente criticado em escala global,
pelo seu protecionismo comercial crescente. A decisão unilateral da presidente
Cristina Kirchner, apoiada ostensivamente no exterior só pelo presidente da
Venezuela, Hugo Chávez, acentua o isolamento externo da Argentina.
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