quinta-feira, 4 de agosto de 2016

ÉTICA: Não existe justificativa ética para caixa dois, diz Moro na Câmara

OGLOBO.COM.BR
POR JAILTON DE CARVALHO

Juiz foi ao Congresso defender pacote anticorrupção apresentado pelo MPF

O juiz Sérgio Moro em audiência pública na Câmara - Ailton de Freitas / Agência O Globo

BRASÍLIA — O juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, defendeu nesta quinta-feira que o Congresso Nacional aprove o pacote de medidas anticorrupção apresentadas pelo Ministério Público Federal a partir das investigações da Operação Lava-Jato. Para o juiz, não existe uma "bala de prata" para acabar com a corrupção no país, mas as propostas, se levadas adiante, poderão ajudar a reduzir os níveis de desvios de dinheiro público no país.
— Em essência é um projeto (o pacote) muito importante. Não que qualquer lei vai ser lei de salvação nacional. Não existe uma bala de prata que resolva esses problemas. Mas dentro deste contexto, que o Congresso faça sua parte dando início, talvez, a um ciclo vicioso para que, no futuro, a corrupção seja reduzida — disse Moro.
O juiz fez a declaração na abertura da audiência da Comissão Especial, criada com o objetivo de analisar e dar celeridade à tramitação do pacote anticorrupção. As propostas foram preparadas pelos procuradores da Operação Lava-Jato e tiveram o apoio de mais de dois milhões de brasileiros. Entre os projetos estão a classificação da corrupção como crime hediondo, a tipificação do crime de enriquecimento sem causa e a classificação de caixa dois como crime.
Um dos projetos prevê ainda o fechamento de partidos envolvidos de forma sistemática em desvios de dinheiro público. Para Moro, as propostas são boas e deveriam ser aprovadas por deputados e senadores. Segundo ele, a aprovação dos projetos seria um claro indicativo de que o Congresso Nacional está em sintonia com os anseios da sociedade, que pede pela moralização da administração pública.
MORO SUGERE AJUSTES NA PROPOSTA
Embora defenda a aprovação do pacote anticorrupção, Moro fez uma série de sugestões de mudanças na redação de alguns artigos dos projetos. Ele recomendou alteração em parte do texto sobre prisão preventiva e exclusão de provas obtidas de forma ilegal. As sugestões são de ordem técnica e não mudam a base das propostas.
Moro defendeu com ênfase a aprovação da tipificação do crime de caixa dois. Segundo ele, muitos dizem que se trata de delito menor, amplamente difundido no país. Para o juiz, o caixa dois é um crime grave e não há nada que o justifique. Ele argumenta que, se candidatos podem receber dinheiro por meios legais, não há porque buscar recursos por meios clandestinos.
— Caixa dois é visto como um crime menor, trapaça de uma eleição. A meu ver não existe uma justificativa ética para esse tipo de conduta. É necessário ter a criminalização desta conduta — afirma.
O uso do caixa dois tem sido um dos principais argumentos de políticos e partidos para explicar o recebimento de dinheiro de empresas envolvidas em fraudes na Petrobras. A explicação é que o caixa dois faz parte dos costumes políticos do país e, portanto, não deveria ser punido com severidade. Para Moro, no entanto, o caixa dois desequilibra a disputa eleitoral.
Num curto resumo da Lava-Jato, Moro contou aos parlamentares que o que mais impressionou nas investigações foi a naturalidade com que corruptos e corruptores confessaram a prática dos crimes. Os acusados falavam com naturalidade sobre pagar ou receber propina, como se a corrupção fosse uma simples regra nos contratos entre grandes empreiteiras e a maior empresa do país.
— O que mais me perturbou durante todo esse caso, não somente os fatos, foi uma certa naturalidade com que alguns personagens reconheciam que pagavam ou recebiam propina — afirmou.
Moro disse ainda que não há dúvida de que a corrupção era sistêmica na Petrobras. Ele lembrou que quatro ex-diretores da estatal são réus confessos da prática de desvios de dinheiro da empresa. Os quatro foram flagrados com contas na Suíça abastecidas com dinheiro de origem ilegal. O juiz disse que as somas não eram nada desprezíveis.
— Só um ex-gerente devolveu U$ 98 milhões — disse, numa referência ao ex-gerente Pedro Barusco.
Ainda na primeira fase da investigação, Barusco compareceu ao Ministério Público Federal e, depois de confessar uma série de crimes, se comprometeu a devolver aproximadamente US$ 100 milhões de propina acumulada a partir de negociatas nas Petrobras.
INFORMANTE DO BEM
Moro defendeu também que a Comissão Especial incorpore nas discussões do pacote anticorrupção projeto sobre proteção a pessoas que decidem romper laços com empresas ou instituições para revelar crimes. A proposta tem como referência a legislação americana. O juiz lembrou do caso de um ex-diretor de uma fábrica de cigarros que delatou práticas abusivas da empresa e, depois, foi devidamente amparado pela legislação americana.
O projeto está sendo preparado há um ano pela Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e Lavagem de Dinheiro (Encla). O deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS) disse que já existe um projeto no Congresso sobre o assunto. Trata-se, de acordo com ele, da proposta sobre o chamado "informante do bem". A ideia é até oferecer recompensa para o informante que ajudar autoridades a descobrir crimes e recuperar dinheiro desviado.
— Estamos chamando de informante do bem. Vem com a matriz americana. Quando há recuperação de recursos, ele (o informante) pode ter um prêmio porque ajudou o país. Vamos tratar desse tema aqui — disse o deputado.
Moro criticou duramente o foro privilegiado. Segundo ele, não há justificativa para que determinadas categorias tenham tratamento diferenciado em relação ao restante da população. Para ele, o foro atenta contra a ideia básica da democracia, de que todos são iguais.
— O foro fere a ideia básica da democracia que todos devem ser tratados como iguais. Não existe justificativa para essas salvaguardas — disse Moro, em resposta a uma pergunta de Lorenzoni sobre o assunto.
CRÍTICA A MORO
Wadih Damous (PT-RJ), o terceiro deputado a falar na audiência com Moro, criticou duramente o juiz e o pacote anticorrupção. Numa referência indireta a Moro, ele diz que não há "divindade" ou "oráculo" donos da verdade no Direito Penal. Disse também que o recrudescimento de penas tem efeito nas manchetes de jornais mas, no futuro, só atingirá parte da população mais pobre, que não tem dinheiro para contratar bons advogados.
— Não reconheço em nenhum segmento da sociedade brasileiro a propriedade exclusiva do combate à corrupção. Não reconheço ninguém autoridade de oráculo ou divindade — disse.
O deputado disse que conhece procuradores e juízes que não concordam integralmente com o pacote anticorrupção. Também sem citar nomes, o deputado criticou juízes e procuradores que se manifestam fora dos autos. Para ele, não é aceitável que autoridades façam declarações sobre os casos com os quais estão lidando.
— Assuntos complexos não podem ser tratados com superficialidade. O sistema de Justiça ganhou protagonismo. Estamos em tempos de juízes celebridade. Procuradores celebridade. Sou de um tempo de que juiz só se pronunciava nos processos — disse Damous.

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