quinta-feira, 18 de maio de 2017

ANÁLISE: Episódio sepulta a ideia da Lava Jato como uma operação seletiva

FOLHA.COM
MARCUS MELO, ESPECIAL PARA A FOLHA

O governo estava sob a espada de Dâmocles e o risco que corria era binário.
Ou entraria para a história como reformista acidental, ancorado em maioria congressual cuja coesão derivava do seu próprio risco coletivo. Ou seria abatido pelo tsunami das delações premiadas.
O diabo estava no timing – da morosidade do devido processo legal – e este aparentemente favorecia a travessia do deserto. Mas a aposta era que o sucesso nas reformas poderia tornar a morte menos dolorosa, ou talvez até com certa dignidade.
O episódio significa uma ação ousada e exitosa de instituições de controle, agindo de forma eficiente e amparada na lei e sob a supervisão da Suprema Corte. Surpreendeu o país ao fornecer a bala de prata que acelerou a inexorável dêbacle.
As repercussões imediatas serão de grande monta, sobretudo no que diz respeito ao ritmo das necessárias reformas. A instabilidade resultante pode levar a conclusões infundadas. Mais uma vez é uma questão do copo meio vazio ou meio cheio.
Longe de constituir crise institucional, o episódio representa mais um passo na afirmação da lei. No médio prazo, essa ação sepulta a ideia da Lava Jato e da mídia como agentes de uma operação seletiva e antipopular. Pelo contrário, as legitimará, restaurando um certo senso de justiça. E em certo sentido contribui para pacificar um país marcado por forte polarização.
As propostas maximalistas de reinvenção institucional – como as de eleições diretas já –, embora tenham algum apelo normativo in abstrato, devem ser abandonadas porque violam a ordem constitucional vigente.
A anulação da chapa Dilma/Temer já está pautada e seguiu em ritmo célere e não antecipado. Se efetivada, a anulação será outro avanço institucional, dadas as evidências massivas de uso de propina na eleição presidencial. Embora tenha difícil viabilidade política, o impeachment poderá ser pautado, mas o desenlace provável serão eleições indiretas.
A historiografia argentina produziu um argumento influente sobre a derrocada histórica do país: os efeitos de longo prazo da chamada "década infame", na qual se praticou uma fraude de enormes proporções nas primeiras eleições sob a democracia de massa na década de 30.
Como resultado, a democracia representativa e a regra da lei foram deslegitimadas, e o estatismo plebiscitário vicejou. O conjunto de ações a que assistimos no Brasil nos últimos anos pode ter o efeito oposto.

MARCUS MELO é professor de ciência política da Universidade Federal de Pernambuco

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