Por Dora Kramer - O Estado de S.Paulo
Depois de quatro invocações de prisioneiros ao direito constitucional de
calar, está posta a evidência: se não uniformizar, não conferir inteligência,
serenidade e celeridade aos trabalhos, a CPMI do Cachoeira corre o risco de
trocar o lugar com os acusados e, aos olhos de sociedade, se transformar em ré
pelo crime de omissão.
Admita-se, a questão não é fácil de resolver. Há o respeito ao rito de defesa
sustentando nas garantias individuais.
Mas há também uma investigação aberta por iniciativa do Congresso que se
propôs a destrinchar e expor para o público um esquema criminoso infiltrado no
Estado, descoberto pela Polícia Federal, convalidado pela Procuradoria-Geral da
República, cujos autos estão em poder do Supremo Tribunal Federal.
Não se trata, portanto, de algo trivial, de um passatempo ligeiro, muito
menos de instrumento de vazão a disputas político eleitorais. Nem falemos mais
nos intuitos vingativos porque estes já se reduziram à insignificância
merecida.
Resta desatar o nó confeccionado na aprovação de um plano de trabalho que se
revelou equivocado na decisão de dar prioridade à convocação de depoentes
sabidamente protegidos pelo instituto do silêncio.
O lamentável é que não se impõe como posição majoritária na comissão mista de
inquérito a disposição de corrigir rumos. Ao contrário: nota-se a nítida
disposição de postergar o momento em que se começará a avançar para além do que
já se sabe.
Pode até ser democraticamente bonitinho ver o desfile de prisioneiros ao
abrigo das regras do Estado de Direito, mas isso só torna a comissão refém do
direito alheio enquanto perde tempo e abre mão meio que indefesa
(propositadamente?) de suas prerrogativas de investigar.
Ontem mesmo, um desses réus, Wladimir Garcez Henrique, confessou em sua
exposição inicial que atuava como lobista da Delta e das organizações de Carlos
Augusto Ramos junto ao governo de Goiás - um elo explícito.
Aproveitou para exibir suas relações com o poder citando o nome de
governadores, deputados, senadores, um ministro, um ex-presidente do Banco
Central e um funcionário da Casa Civil da Presidência da República, insinuando
amplitude partidária e geográfica de suas atividades.
Disse o que quis e depois se recusou a repetir quando indagado pelos
parlamentares sobre as mesmas questões, invocando o "direito constitucional de
ficar calado". Se já falara, mentia, portanto, nessa alegação.
O que fizeram suas excelências? Chamaram mais dois depoentes (arapongas no
esquema) que abriram mão da exposição de defesa, avisaram que recorreriam ao
silêncio e foram dispensados.
A partir daí deputados e senadores dedicaram-se ao exercício do bate-boca e
da troca de desaforos. Ou seja, réus unidos numa estratégia e investigadores
desunidos berrando às tontas a falta de um projeto de operação.
Constatada a inutilidade de tais depoimentos, a comissão poderia ter passado
à objetividade como, de resto, propuseram parlamentares mais afeitos ao conteúdo
mesmo da investigação.
A sugestão era votar de imediato a quebra dos sigilos das contas da Delta
nacional e a convocação de governadores para explicar os negócios da empreiteira
nos respectivos Estados e possíveis ligações do com esquema criminoso de que se
cuida.
Natural, pois não? Pois sim... Prevaleceu um acordo entre PMDB, PT e PSDB
para transferir a decisão para a próxima terça-feira. Mais que outra semana
perdida, das cinco já transcorridas desde a criação da CPMI, o colegiado
desperdiçou uma boa oportunidade de se dar ao respeito.
Cobrança. O PT readapta candidaturas municipais a fim de
estabelecer uma relação de reciprocidade eleitoral para facilitar o apoio do PSB
a Fernando Haddad em São Paulo.
Mas o fator de decisão seria mais pragmático: "Eduardo Campos não seria louco
de negar isso ao Lula que nunca negou nada a ele", avalia um primeiríssimo
escalão do petismo paulistano.
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