sexta-feira, 4 de agosto de 2017

COMENTÁRIO: O Brasil, esse pântano já antigo

Por CLÓVIS ROSSI - FOLHA.COM

O velho sábio que habitava esta Folha costumava dizer que vivera o suficiente para ver tudo acontecer e seu contrário também.
Não vivi (ainda) tanto quanto ele (nem pretendo viver; velhice é um estorvo) mas também vi quase tudo acontecer. O pior é que estou com a desagradável sensação de que, em vez de ver acontecer também o contrário, estou vendo é a repetição de cenas antigas já meio desbotadas na memória.
Essa sensação começou ao ler o belo texto de Pablo Ortellado no dia 29.
Vou reproduzir apenas um parágrafo, a saber: "Tão importante quanto uma reforma política que introduza mudanças como prévias, candidaturas independentes e instrumentos de recall é uma mudança na nossa cultura política que permita que as organizações da sociedade não se submetam mais aos interesses dos partidos".
Cansei de escrever, ao longo dos 30 anos em que a Folha cometeu o erro de me entregar um espaço, que mudanças nas regras eleitorais ou partidárias poderiam até ser necessárias, mas acabariam se tornando inócuas se não houvesse a mudança na cultura política que Ortellado cobra agora.
Eduardo Anizelli - 27.jun.2017/Folhapress 
Presidente Michel Temer durante pronunciamento em junho

Dá um baita desânimo constatar que o Brasil continua no pântano de uma cultura política pobre, indigente até. Mas é explicável: um país primitivo dificilmente conseguir ter uma cultura política mais rica.
Cansei também de cobrar que o distinto público tirasse o bumbum da cadeira e se manifestasse. Com mais elegância na linguagem, Ortellado repete de certa forma a cobrança ao pedir que "as organizações da sociedade civil não se submetam mais aos interesses dos partidos".
A bem da verdade, reconheço que houve até alguma evolução na mobilização social nestes 30 e poucos anos de democracia plena. Mas não se formou a tal massa crítica que permita uma real influência na agenda política.
O ensurdecedor silêncio que acolheu a votação da quarta-feira (2) sobre o envio ou não do caso Temer ao Supremo é uma comprovação definitiva. Não é normal que tenha havido mais barulho no Congresso Nacional do que nas ruas.
Mas tampouco é normal que grande parte dos que votaram a favor de Temer fossem os mesmos que, no ano anterior, votaram contra a cabeça de chapa de Temer, uma certa Dilma Rousseff. E uma parte dos que votaram contra Temer eram os mesmos que o haviam colocado na rota da Presidência, ao alçá-lo a vice, na chapa com Dilma.
Compreende-se, pois, que o público não leve a sério nem uns nem outros.
No dia seguinte, leio meu ídolo Bernardo Mello Franco relatar a mobilizaçãode Michel Temer para comprar votos para livrá-lo de um processo no STF.
Volto 30 anos no tempo e revejo manobras semelhantes de José Sarney para assegurar, na Constituinte, um mandato de cinco anos, em vez dos quatro previstos. O governo de então, como o de agora, fez o diabo para comprar votos. A rigor, a única diferença é que, naquela época, uma das moedas de troca era a concessão de emissoras de rádio e TV a deputados ou parentes ou correligionários.
Com isso, Sarney comprou mais um ano de mandato. Temer comprou um pouco mais (17 meses). Mas o tempo, no caso, conta menos do que o método.
Sarney terminou seu período tão impopular que não houve um só dos candidatos à sua sucessão que o defendesse –e eram 22 concorrentes.
Consequência: elegeu-se o que foi mais desabrido e desbocado nas críticas ao presidente de turno, um aventureiro chamado Fernando Collor de Mello.
Como Temer conseguiu a extraordinária façanha de ser ainda mais impopular que Sarney, temo que algum desastre parecido se forme em 2018 –e que, portanto, eu, que já vi acontecer, não consiga ver também o seu contrário ocorrer.
Dá um desânimo.

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