Da CONJUR
O Conselho Nacional de Justiça editará um enunciado que vai sacramentar o
direito dos tribunais do país de descontar do salário dos servidores públicos o
valor relativo aos dias que não trabalharem por motivo de greve. Ou então,
permitirá que se exija a compensação dos dias parados. O enunciado esteve
prestes a ser aprovado na sessão desta terça-feira (19/6), mas a discussão foi
suspensa por conta de divergência em relação ao texto proposto.
De acordo com as discussões, em caso de greves, seja o movimento paredista
legal ou ilegal, será considerada suspensa a relação jurídica de trabalho entre
os servidores e o tribunal. Logo, o Judiciário poderá efetuar o desconto na
folha de pagamentos ou exigir a compensação sem que sejam discutidos os motivos
que levaram à paralisação.
O texto proposto pelo relator, conselheiro Gilberto Valente Martins, foi o
seguinte: “A paralisação de servidores públicos do Poder Judiciário, por motivo
de greve, segundo jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e deste Conselho
Nacional de Justiça, implica a suspensão da relação jurídica de trabalho e,
consequentemente, possibilidade do desconto de remuneração correspondente”.
O texto seria aprovado não fosse a intervenção do conselheiro Jorge Hélio.
Mesmo ressaltando que sua intenção não era rediscutir o tema, já decidido desta
forma por diversas vezes pelo CNJ, o conselheiro foi incisivo: “Considero esse
enunciado contrário à Constituição, com todo o respeito à douta maioria.
Privilegiar a suspensão jurídica do vínculo de trabalho, em moldes europeus que
não são os moldes entre nós adotados, muito menos praticados, em detrimento do
exercício do direito de greve, fere um direito garantido
constitucionalmente”.
Para Jorge Hélio, seria mais honesto reduzir o enunciado a uma só frase: “Não
pode se fazer greve”. O conselheiro continuou argumentando não concordar com o
enunciado. “E se a greve for justa? Por exemplo, em situações com as quais já
nos deparamos aqui, quando um acordo é firmado e descumprido. Aí, há uma greve.
Esse enunciado será utilizado como um salvo conduto para o tribunal descontar os
dias parados sem que tenha que cumprir qualquer acordo. Não penaliza apenas o
servidor, mas a sua família”, afirmou o conselheiro. E arrematou: “Devo estar
equivocado, mas quero morrer minoritário nisso aqui. Não aceito”.
O conselheiro Carlos Alberto pediu a palavra para rebater Jorge Hélio.
“Enunciado administrativo vale internamente. Significa que esse colegiado, por
sua maioria expressiva, notória e repetida, tem esse entendimento. Ele não tem
caráter vinculativo. Mas significa que esse é nosso ponto de vista. Tem efeitos
meramente procedimentais de natureza administrativa. Não desconsagra nenhuma
doutrina, até porque não é obrigação de enunciado consagrar doutrina. É questão
procedimental no julgamento do colegiado”, disse o conselheiro.
Ao responder, Jorge Hélio lembrou que um enunciado permite que os
conselheiros decidam monocraticamente — ou seja, sem mais debates sobre a
matéria — todos os processos referentes ao tema. O conselheiro Silvio Rocha,
então, afirmou que não concordava com o enunciado e que o texto acordado não
seria o que foi proposto. “Não concordo com essa alteração redacional. Com essa
alteração redacional, estamos excluindo a possibilidade de os tribunais, no
exercício de sua autonomia, optarem não pelo desconto, mas pela compensação”,
afirmou.
O ministro Joaquim Barbosa, que presidia a sessão, disse que, apesar de não
ter participado das discussões que geraram o enunciado, observou que o texto já
havia sido aprovado, mas com outra redação, que dava um sentido completamente
diferente do que estava sendo votado. Os conselheiros Silvio Rocha e Carlos
Alberto, então, propuseram o adiamento da votação para que o texto do enunciado
fosse melhor discutido.
Ficou acordado, nas conversas no intervalo da sessão, que deverá ser previsto
expressamente no enunciado a possibilidade de compensação. Ainda assim, ficará
sacramentado o entendimento de que os tribunais podem descontar da folha de
pagamento os dias parados por motivo de greve ou exigir a reposição,
independentemente de a greve ser considerada justa ou ilegal.
Rodrigo
Haidar é editor da revista Consultor Jurídico em
Brasília.
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