Por Gilles Lapouge - ESTADO DE SÃO PAULO
A Europa continua enfrentando ventos contrários. Na cúpula do G-20 e nas
chancelarias, todas as outras potências, Estados Unidos, Brics, China ou Rússia
a advertem e imploram que se mexa um pouco para salvar sua moeda comum, este
euro, tão exuberante quando não existia e tão pálido, tão melancólico, agora que
existe.
Ademais, à margem ou por baixo dessa guerra disfarçada entre a Europa e o
resto do mundo, uma outra questão se desenvolve entre as principais potências do
Velho Continente.
O francês Hollande (o presidente François Hollande), esse homem tão doce, tão
pacato, tão roliço e tão pouco agressivo, só precisou de algumas semanas para se
indispor com as duas principais nações da União Europeia, a Grã-Bretanha e a
Alemanha.
O (primeiro-ministro) inglês David Cameron disparou um foguete devastador em
Hollande. Ele declarou à cúpula do G-20 que Hollande tivera uma ideia estúpida
quando decidiu taxar em 75%, na França, as rendas superiores a 1 milhão de euros
anuais. Por quê? Porque os empresários franceses, se os privarem de suas
existências douradas, vão fechar suas empresas e transportá-las para ambientes
mais serenos. Por exemplo, para o ambiente britânico.
E Cameron, longe de se indignar, antes encoraja os ricos franceses e se
propõe a acolhê-los em seu país. Com seu belo sotaque de Oxford e um "humour"
intempestivo, ele acrescentou que a Grã-Bretanha estenderia o tapete vermelho
para acolher os franceses que quisessem fugir dos apetites delirantes do fisco
francês.
Esse entrevero verbal extraordinário revela que a integração no cerne da
União Europeia não faz grandes progressos.
Não é curioso que um chefe de Estado europeu seduza cidadãos de um outro
Estado europeu, encorajando-os a burlar o fisco de seu país e se deslocar para
um outro Estado da mesma "comunidade europeia"?
Eventuais riscos. Mas os temores de Cameron são
compreensíveis, como o são os dos empresários franceses e de muitas capitais
europeias. Ele teme que Hollande, um dos únicos dirigentes socialistas na
Europa, siga caminhos escabrosos mais propícios a alimentar o mal europeu que a
curá-lo.
O receio de Cameron, como o do empresariado, é que as empresas francesas,
cuja competitividade já é fraca, sejam prejudicadas pelas primeiras escolhas de
Hollande: aumento das deduções sociais para financiar uma redução parcial da
idade de aposentadoria, taxação das empresas que pagam dividendos, aumento da
fiscalização do capital, elevação iminente do salário mínimo, tudo coroado por
essa taxação de 75% sobre os salários superiores a 1 milhão de euros anuais.
O alarmante é que o caso de Cameron não é isolado. As divergências francesas
também se aguçam com a Alemanha. Hollande intriga Madame Merkel (a chanceler
alemã Angela Merkel).
Esse homem pouco vistoso, gordo e roliço, amável e modesto, a surpreende. Ele
a tirou do convívio com Sarkozy (o ex-presidente francês Nicolas Sarkozy). Com
este, era formidável. Como Merkel e Sarkozy tinham a mesma ideologia e a mesma
estratégia, Merkel falava e Sarkozy seguia.
É o que dá ser socialista: Hollande não é contra o rigor, mas diz que é
preciso também pensar no crescimento. Merkel não está convencida disso. Mas ela
prometeu à cúpula do G-20 dar um passo, um pequeno passo, na direção de
Hollande. E Hollande concluiu que ele também daria um passo. Um pequeno passo.
TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK
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