Por Miriam Leitão, O Globo
Ambição foi, até agora, a palavra mais falada no Riocentro. Mais
especificamente, a falta de ambição. O governo acha que perdeu a batalha da
comunicação, e que os jornalistas não estão vendo os avanços que teriam ocorrido
na Rio+20. Antes fosse apenas uma questão de avaliação da imprensa. É
generalizada a reclamação: das ONGs, do presidente François Hollande, do
secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon.
O presidente francês veio, em começo de mandato, com a Europa em crise, e
disse que sua presença aqui era para assumir uma responsabilidade pública. Viva
a diferença. A líder alemã, Angela Merkel, estava no México e não veio porque
não quis. O presidente Barack Obama, também.
Na segunda-feira, num dos vários momentos de falta de sinceridade que
reuniões diplomáticas sempre propiciam, o negociador-chefe dos Estados Unidos,
Todd Stern, disse à imprensa que “desenvolvimento sustentável é um dos pilares
da segurança nacional americana” e que o governo Obama o considera um tema muito
importante. A CNN perguntou em seguida: “Se é assim tão importante por que o
presidente Obama não veio?” A resposta foi um contorcionismo vazio que nem vale
a pena transcrever.
A verdade é que os Estados Unidos foram responsáveis por um parágrafo aguado
sobre oceanos. A expectativa era de decisão de criação de áreas protegidas em
águas internacionais. A marinha americana, dona da maior frota do mundo, não
aceitou. Teme que isso atrapalhe suas movimentações para a defesa do que eles
acham que é realmente segurança nacional.
Foram também os Estados Unidos que se opuseram à criação de uma agência na
ONU de meio ambiente porque acham que isso imporá a eles limitação externa nesta
área, da mesma forma que já tiveram várias derrotas na Organização Mundial do
Comércio (OMC).
Na questão ambiental, o mundo se divide de forma bem diferente do que a
tradicional ideia dos ricos versus pobres. Tanto que o presidente François
Hollande disse na entrevista que um dos pontos em que houve falta de ambição foi
exatamente na criação de um órgão com mais poderes e que agregue todos os
assuntos ligados aos temas ambiental e climático.
Segundo Hollande, sempre que se tenta incluir algum tema ambiental nas
reuniões do clima, o tema é retirado por não fazer parte do escopo da convenção.
Por isso, ele reafirmou a necessidade de uma agência da ONU com poderes reais.
Tudo o que o texto estabelece é a ampliação do número de participantes do
Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). Era restrito a um grupo
de países e passará a ser universal.
Isso é bom, mas muito pouco. “Não temos uma agência, mas eu não perdi a
esperança. Vou continuar a lutar por isso”, disse o presidente francês.
Hollande também reclamou de não se fechar uma proposta clara e objetiva de
financiamento. Voltou a defender a velha posição da França de se criar um
imposto sobre transações financeiras para ajudar a financiar os países mais
pobres. Aqui também ele reclamou de faltar ambição.
A resposta veio na entrevista diária do Brasil à imprensa, quando o
embaixador Figueiredo não podia ser mais claro do que foi: “Não se pode ter
ambição de ação sem ambição de financiamento. Quem exige um sem o outro está
sendo, no mínimo, incoerente.”
A tréplica esteve no discurso do presidente da Comissão Europeia, José Manuel
Durão Barroso, que delicadamente lembrou que a União Europeia e seus membros
continuam sendo o maior doador de recursos aos mais pobres na busca das
“prioridades do Rio”.
As mais de mil ONGs pediram, em plenário, para se tirar do texto a afirmação
de que foram ouvidas. A estrutura escolhida pelo Brasil, de primeiro fechar o
documento e consagrá-lo como impossível de ser reaberto para o debate,
desperdiçou o momento político do encontro dos chefes de Estado e revogou
qualquer ambição que por acaso houvesse.
Os governantes ficaram na estranha situação de virem ao Rio apenas para tirar
a foto e fazer a habitual sucessão de discursos. O que rebaixa os chefes de
Estado a uma coleção de rainhas da Inglaterra. Eles vêm apenas para carimbar o
que seus negociadores decidiram.
Esta é a maior reunião da ONU já feita. Pedida e preparada pelo Brasil. O
tema é urgente. A necessidade de cruzar a questão ambiental com a econômica e
social é imperiosa. A utilidade de ter uma agência como a Organização Mundial de
Comércio na área ambiental e climática, que concentre os temas, é óbvia. Não é
hora de perder tempo em definir o que é economia verde, porque todos sabem o que
não é sustentável e quais são as inúmeras ações na transição para uma economia
de mais baixa emissão de carbono.
Apesar de ser a reunião certa, na hora certa e no local certo, o Brasil — com
o enorme poder de influência que tem o país sede — escolheu este caminho de
fechar com três dias de antecedência, e passar a chave, num documento que é
visto como fraco. Não pela imprensa, mas pelos próprios governantes.
A reunião desperdiça seus preciosos dias finais com formalidades. A
Conferência está terminando, como definiu Hollande, “abaixo das nossas
responsabilidades e de nossas expectativas”.
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