terça-feira, 7 de maio de 2013

COMENTÁRIO: Os anéis e os dedos

Por José Paulo Kupfer - ESTADO DE SÃO PAULO

De todas as más notícias transmitidas pela economia brasileira, nos primeiros quatro meses de 2013, a que merece mais atenção talvez seja a piora acelerada das contas externas. São bem conhecidos os problemas de um aumento na vulnerabilidade externa, mesmo que hoje o País disponha do escudo do ainda elevado, embora cadente, nível projetado de ingressos de investimentos diretos externos e da forte posição em reservas internacionais.
Mas, pelo menos por enquanto, não é por esta razão que os desarranjos nas contas correntes mais preocupam. A maior inquietação com os números negativos e a tendência desfavorável das contas externas é o que eles denunciam em relação a pontos estruturais da economia.
Alguns poderiam imaginar que a inflação devesse merecer a maior atenção. Ou que a prioridade no ranking das preocupações devesse ser ocupada pela atual caminhada errática e, no fim das contas descendente, do nível de atividades – depois dos números da produção industrial de março, aumentou o grupo de analistas com estimativas para o PIB menores do os 3% por enquanto predominantes.
No caso da inflação, contudo, a tendência é de alívio relativo, com retorno do IPCA em 12 meses ao interior do intervalo do sistema de metas – o que já se projeta que ocorrerá, com a divulgação prevista para esta quarta-feira do IPCA de abril –, embora mais uma vez desconfortavelmente próximo do teto. E o crescimento da economia é uma variável dependente de outros elementos – exatamente aqueles que hoje produzem sinais amarelos nas contas externas como não se observavam há uma década.
No primeiro quadrimestre do ano, o déficit da balança comercial alcançou inéditos US$ 6,2 bilhões. É certo que o ingresso de recursos com exportações da safra recorde de grãos, em atraso por gargalos logísticos, ajudará a descomprimir um pouco esse quadro. Essa perspectiva ainda é sancionada pela mediana das projeções dos analistas, cuja previsão de momento é de um superávit comercial de US$ 10 bilhões – de todo modo, 70% inferior ao resultado de 2011. Mas cresce o grupo daqueles que já estimam saldo inferior a esse nível e já há quem preveja até mesmo um déficit comercial no conjunto do ano, situação que não ocorria desde o quinquênio 1995-2000.
Não foram poucos os que, no período imediatamente pré-crise de 2008 e nos primeiros anos seguintes, advogaram o abandono de uma indústria que já cambaleava, sem forças para inovar e se inserir nas novas cadeias fragmentadas globais de produção, quando os mercados internacionais de commodities básicas explodiram e levaram o Brasil a comemorar resultados externos excepcionais. Agora, até os “anti-industrialistas” do passado recente, descobrem que é essa mesma indústria – derrotada pelas importações no mercado interno, que não encontra espaços para incrementar cruciais exportações, num mercado externo, de um lado deprimido e protecionista e, de outro, disputando agressivamente os mercados alheios – que detém a chave da recuperação e do fortalecimento da economia.
Embora ainda pareça um exagero falar em descontroles, a situação atual é de evidente desequilíbrio. Muitíssimo complicada porque a política econômica, com limites estreitos tanto na perna fiscal quanto na perna monetária e cambial, opera em cenário de estagflação. E isso em ambiente eleitoral já instalado, que remete ao ocorrido em 1998, com a sobrevida por aparelhos de um sistema de câmbio fixo moribundo, nas eleições gerais daquele ano. Foi longa e doída a marcha para superar os desajustes e retomar o crescimento.
Não é possível enxergar, nas propostas em debate – seja nas de desenvolvimentistas, seja nas de ortodoxos –, saídas para recuperar a produtividade da indústria e sua competitividade sem entregar anéis. Com as distorções que, à espera das eleições, possivelmente serão aprofundadas até 2014, o risco é que até dedos tenham de ir junto.

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