quinta-feira, 25 de agosto de 2011

HISTÓRIA: Apoio popular ao movimento liderado por Brizola para garantir posse de Jango não se repetiu três anos depois

De O GLOBO.COM.BR

Chico Otavio (chico@oglobo.com.br)

RIO - Na história política do país, foi a única vez que um movimento liderado por civis peitou um golpe militar e derrotou os golpistas. Paradoxalmente, foi também a campanha que criou a ilusão de que os golpistas poderiam ser derrotados mais uma vez. Mas a história não se repetiu.
Está completando 50 anos a Cadeia da Legalidade - movimento desencadeado pelo então governador Leonel Brizola no Rio Grande do Sul para garantir a posse do conterrâneo João Goulart na Presidência da República, após a renúncia de Jânio Quadros, em 25 de agosto. Tudo começou dois dias depois, quando Brizola, entrincheirado no Palácio Piratini, sede do governo estadual, liderou uma cadeia nacional de rádio defendendo o cumprimento da Constituição.
- As esquerdas chamaram a sociedade e ela atendeu, como voltaria a fazer em 1963, no plebiscito que restaurou o presidencialismo. Isso deu a ilusão de que, se a população fosse convocada outra vez, acataria. Mas 1964 era diferente. Não se tratava mais de defender a Constituição, a legalidade, mas as reformas na lei ou na marra, e o lema não mobilizou - avalia o historiador Jorge Ferreira (UFF), autor de "João Goulart, uma biografia", lançado recentemente.
Meio século após a vitória popular sobre os generais de Brasília, a novidade sobre o episódio é o distanciamento histórico. Sem as paixões políticas que turvavam o entendimento sobre as crises do período, especialistas como Jorge Ferreira apresentam novas visões sobre a semana em que o Brasil mais se aproximou da guerra civil.
Palácio virou um bunker
Do bunker do Piratini, Brizola avisou que não daria o primeiro tiro, mas revidaria com o segundo, o terceiro e o quarto se os golpistas tentassem atacá-lo. Se alguém na ocasião desmereceu a ameaça, fez mal. Para Jorge Ferreira, a força bélica da Legalidade, depois da adesão do III Exército, tinha condições de vencer o restante das forças do país:
- O III Exército (Região Sul) era o mais poderoso dos quatro existentes na época. Havia grande concentração de tropas na fronteira porque os militares não duvidavam que, mais cedo ou mais tarde, a Argentina invadiria o Brasil - explicou Ferreira.
Após dez anos de pesquisa para escrever "João Goulart", que tem um capítulo dedicado à Rede da Legalidade, o historiador ainda se emociona ao citar uma cena decisiva. Aconteceu em 28 de agosto, quando o comandante do III Exército, general José Machado Lopes, desembarcou com o seu estado-maior em frente ao Palácio Piratini. A tensão era grande pela desconfiança de que o oficial estaria ali para dar voz de prisão a Brizola.
- Comunicações do Exército, interceptadas por aliados de Brizola, davam conta de que a missão de Machado Lopes era essa. Mas quando ele chegou, as cem mil pessoas que lotavam a Praça da Matriz, em frente ao palácio, começaram a cantar o Hino Nacional. E o general, ao subir as escadarias, se virou para a multidão e, mão no peito, passou a também cantar, acompanhado de seus oficias - conta.
Até então, a resistência de Brizola, além da força de suas palavras, se resumia às tropas da Brigada Militar (a PM gaúcha), com suas metralhadoras velhas, armas portáteis e barricadas de sacos de areia.
Antes de continuar, algumas pinceladas de história para facilitar o entendimento. João Goulart, do PTB, estava em visita à China quando Jânio pediu as contas. Em seu lugar, assumiria provisoriamente o presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli, mas uma junta formada pelos três ministros militares - general Odílio Denys, brigadeiro Grum Moss e almirante Sílvio Heck - não queria Jango de volta. Defendia o rompimento da ordem jurídica, com o impedimento da posse e a convocação de eleições.
Os oficiais chegaram a dizer que, se o vice-presidente pisasse em solo brasileiro, seria preso. Porém, para que uma posição tão radical se impusesse, seria necessária a mais completa unidade no interior das forças armadas. E, graças a Machado Lopes, isso não aconteceu. Depois do episódio do Hino, ele se reuniu com Brizola para anunciar que, entre a ruptura e a legalidade, ficaria com a Constituição.
É um equívoco, porém, pensar que o general se encantou com o discurso de Brizola, que incendiava as rádios.
- Nunca aderi ao governador Brizola, nem mesmo permiti que sua influência sobre João Goulart perturbasse a solução pacífica da crise política pelo Congresso, quando lembrei ao senhor Goulart a sua palavra, de respeitar as decisões soberanas do Congresso - recordou-se o general, em livro de memórias escrito em 1980.
A imagem de Brizola, de terno e carregando uma metralhadora pelos corredores do Piratini, faz lembrar o presidente chileno Salvador Allende, de capacete e fuzil, resistindo no La Moneda aos ataques das tropas do general Pinochet no golpe de 1973.
A diferença é que o governador gaúcho sairia vitorioso. Isso não apenas lhe deu um inédito protagonismo no PTB, cacifando os setores mais radicais do partido em oposição à liderança histórica de Jango, como o encorajou a ir além.
- Contrário a uma solução negociada, com o aprovação do parlamentarismo, Brizola queria marchar com Jango e o III Exército até Brasília, para fechar o Congresso e convocar uma Constituinte - destaca Jorge Ferreira.
O professor não tem dúvidas do que ocorreria, caso a ideia fosse acolhida:
- A guerra civil.
Mas Jango, que já reduzira a tensão adiando a volta ao Brasil, concordou com a proposta de parlamentarismo, do PSD de Tancredo Neves, e abortou o plano. Quando subiu a rampa do Palácio do Planalto, para a posse em 7 de setembro, a Rede da Legalidade já estava desfeita, envolta numa espécie de anticlimax, sem ter dado um disparo.

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