sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

MUNDO: Em visita a rohingyas, Papa pede perdão 'pela indiferença do mundo'

OGLOBO.COM.BR
POR O GLOBO / AGÊNCIAS INTERNACIONIAS

Minoria muçulmana perseguida conta ao pontífice os abusos de soldados de Mianmar

Papa Francisco se encontra com grupo de refugiados rohingyas em Daca, capital de Bangladesh - DAMIR SAGOLJ / REUTERS

DACA — Em viagem a Bangladesh, o Papa Francisco se encontrou com refugiados muçulmanos rohingyas e ouviu as suas histórias dramáticas de perseguição e violência. Após ter passado por Mianmar, onde esta comunidade sofre com graves abusos dos soldados birmaneses, o pontífice vem pedindo medidas para ajudar os rohingyas e resolver as questões políticas que os forçam a abandonar os seus lares. Aos refugiados, pediu perdão pelo sofrimento que passaram e pela indiferença do mundo. Desde agosto, quase 700 mil refugiados já cruzaram a fronteira, sob condições altamente precárias e perigosas, para se abrigar em campos improvisados em Bangladesh.
— Não fechemos nossos corações, não olhemos para outro lado. A presença de Deus hoje também se chama rohingya — disse o pontífice aos refugiados, usando simbolicamente pela primeira vez o termo "rohingya", considerado tabu em Mianmar. — Em nome de todos que vos perseguiram e feriram, eu peço perdão. Eu apelo aos seus grandes corações para que nos deem o perdão que pedimos.
O Papa abençoou 18 rohingyas, incluindo uma mulher de 27 anos que, antes do encontro, disse que tinha esperanças de encontrar justiça para os abusos que havia sofrido nas mãos dos soldados de Mianmar. Dentre uma série de violações, ela havia sido vítima de estupro — a mesma história relatada por outras milhares de mulheres e meninas em fuga.
— Eles capturaram a mim e outras mulheres. Nos torturaram. Eu ainda sangro, meu abdômen e minhas costas doem. Eu tenho dores de cabeça. Os remédios não ajudaram muito — contou a mulher, que pretendia relatar o seu sofrimento a Francisco: — Vou compartilhar a minha dor com ele.
Pontífice cumprimentou e ouviu a histórias de refugiados rohingyas e seus líderes religosos muçulmanos - DAMIR SAGOLJ / REUTERS

O Exército de Mianmar nega todas as acusações de estupros e assassinatos, dizendo apenas que uma investigação interna não encontrou evidências de que estes crimes tenham sido cometidos. No entanto, a comunidade internacional emite duras críticas às forças de segurança, a quem acusam de comandar uma limpeza étnica. A líder de fato birmanesa, Aung San Suu Kyi, que é vencedora de um Nobel da Paz, está sendo muito pressionada a tomar providências concretas para evitar a continuação da violência sistemática contra os rohingyas.
As meninas e mulheres são um dos maiores alvos da perseguição étnica em Mianmar. Frequentemente, elas são alvo de abusos físicos, sexuais e psicológicos pelos soldados birmaneses. Tudo porque a etnia rohingya é considerada estrangeira e apátrida numa nação onde 90% da população é budista. Sem acesso a educação e com muitas restrições de direitos, vivem no pobre e rural estado de Rakhine, de onde não podem sair sem a permissão do governo. E são vítimas de múltiplas discriminações: trabalho forçado, extorsão, restrições à liberdade de circulação, regras injustas de casamento e confisco de terras.

Refugiados esperam para conhecer Papa Francisco em Bangladesh - VINCENZO PINTO / AFP

Nesta sexta-feira, o papa também celebrou uma grande missa para 100 mil dos 380 mil católicos bengaleses, na qual ordenou 16 novos padres. Para a pequena comunidade católica local, a visita papal — a primeira desde a realizada por João Paulo II em 1986 — é motivo de orgulho. Desde 2015, pelo menos três cristãos morreram em ataques atribuídos a extremistas muçulmanos.
Ontem, o pontífice rompeu o silêncio diplomático, que havia adotado durante a sua passagem por Mianmar, sob orientação de bispos locais e fez um pedido público de proteção aos rohingyas. Até então, na viagem, ele havia evitado o uso da palavra "rohingya", referindo-se à minoria muçulmana como "refugiados do estado de Rakhine". Chamar a minoria de rohingya é tabu em Mianmar e poderia provocar a ala radical budista, arriscando fazer da comunidade católica do país um alvo de ataques.
— É imperativo que a comunidade internacional tome medidas decisivas para esta grave crise, não apenas trabalhando para resolver as questões políticas que levaram ao deslocamento em massa desse povo, como também oferecendo assistência material imediata a Bangladesh em seu esforço de responder eficientemente às urgentes necessidades humanas — disse o Papa em seu discurso.

Grupo de refugiados chega a Teknaf, em Bangladesh; segundo a ONU, quase 50 mil deixaram Mianmar em uma semana após confrontos violentosFoto: MOHAMMAD PONIR HOSSAIN / REUTERS

'QUEM É O PAPA'?
"Quem é o Papa?", questiona a maioria dos rohingyas nos campos de refugiados em Bangladesh. O êxodo da minoria muçulmana é o principal motivo da delicada visita do Papa Francisco a Mianmar e Bangladesh, mas dos quase 700 mil que fugiram de Mianmar para o país vizinho apenas poucos já ouviram falar do chefe da Igreja Católica. Perseguidos pelo governo birmanês, os rohingyas têm acesso limitado à educação e a outros serviços públicos. São considerados apátridas desde 1982.
Um rei rico, um astro americano, um político de Bangladesh ou um líder muçulmano foram algumas das hipóteses levantadas pelos refugiados quando repórteres da AFP mostraram a foto do Pontífice de 80 anos.
— Acho que já o vi na imprensa, mas o que ele faz? É importante? — perguntou Nurul Qadar, de 42 anos.
Os rohingyas são marginalizados e têm acesso limitado ao sistema escolar. O seu universo é limitado à aldeia e a seus arredores e, vivendo em uma sociedade pobre e rural, seus meios de abertura para o mundo são reduzidos. Sem educação, muitos rohingyas são analfabetos.
Um dos poucos entrevistados a conhecer o Papa no grande campo de deslocados de Kutupalong foi o imã rohingya Hassan Arraf. Arraf espera que o Pontífice possa mudar suas vidas, referindo-se a sua reputação de homem próximo ao povo.
— O modo como (os birmaneses) nos torturam, nenhuma religião no mundo permite. Ele é um grande líder de outra religião, mas acredito que seja um homem sábio — disse Arraf. — Acho que ele será capaz de entender o que estamos passando. E poderá pedir ao governo de Mianmar para resolver essa questão e pacificar a região.

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