terça-feira, 11 de outubro de 2016

EDITORIAL: A novela dos depósitos judiciais

ESTADAO.COM.BR

Em 2015, 11 Estados sacaram cerca de R$ 17 bilhões de depósitos judiciais para honrar seus pagamentos

Ao manter as várias liminares que suspenderam o uso de depósitos judiciais para o pagamento das despesas de custeio da máquina administrativa dos Estados, o Supremo Tribunal Federal (STF) fechou a porta – ainda que em caráter temporário – para um expediente engendrado por governadores para tentar contornar a crise fiscal.
Depósitos judiciais são valores depositados em juízo por cidadãos e empresas envolvidos em litígios que envolvem pagamentos, multas e indenizações. Os recursos ficam sob administração do Poder Judiciário até que haja uma decisão final dos processos. Assim, ao utilizar esses recursos para pagar precatórios, salários do funcionalismo público e aposentadorias, os Estados estariam gastando um dinheiro que não lhes pertence. Em 2015, das 27 unidades da Federação, 11 sacaram um total de R$ 17 bilhões de depósitos judiciais para fechar suas respectivas contas. Na época, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o valor representava cerca de 13% do estoque total de recursos que os Tribunais de Justiça tinham sob custódia em dezembro de 2014.
O acesso dos Estados aos depósitos judiciais foi autorizado, em vários casos, por leis aprovadas por Assembleias Legislativas. No ano passado, por pressão dos governadores, o Congresso aprovou a Lei Complementar 151, que permite aos Executivos estaduais e municipais utilizar, para custeio de suas máquinas administrativas, até 70% dos depósitos judiciais relativos aos processos nos quais são parte. As discrepâncias entre as leis estaduais e essa lei complementar – cujo projeto foi de autoria do senador José Serra (PSDB-SP) – levaram o CNJ a determinar que esses recursos deveriam ser gastos prioritariamente com o pagamento de precatórios, e não com salários, aposentadorias, pensões e assistência judiciária.
Ao justificar a utilização de recursos que pertencem a terceiros, os secretários estaduais da Fazenda alegam que a medida é emergencial e temporária. Também afirmam que foram obrigados a tomá-la para compensar a queda na arrecadação do ICMS decorrente da crise econômica. O problema é que, mais dia menos dia, esse dinheiro terá de ser devolvido para as contas administradas pelos Tribunais de Justiça. No entanto, como os Estados não cortaram gastos para equilibrar suas contas, mantendo a tradição de gastar mais do que recebem, dificilmente terão condições financeiras de fazer essa devolução. Assim, além de pôr em risco o recebimento dos valores depositados pelas partes no processo, o expediente dos secretários da Fazenda pode agravar ainda mais a já dramática situação fiscal dos Executivos estaduais.
Foi para tentar afastar esse risco que, ao apreciar várias ações diretas de inconstitucionalidade patrocinadas pela Procuradoria-Geral da República contra leis estaduais, quatro ministros do Supremo – Teori Zavascki, Luís Roberto Barroso, Edson Fachin e Rosa Weber – concederam liminares suspendo o uso dos depósitos judiciais pelos Executivos estaduais. Os procuradores argumentam que a transferência desses depósitos para os Tesouros estaduais configura uma forma ilegal de empréstimo compulsório. O governo de Minas Gerais entrou com recurso para tentar derrubar essas liminares, mas, em sessão plenária, a Corte as manteve. Entre outros argumentos, os membros do Supremo alegaram que as leis aprovadas pelas Assembleias Legislativas permitem aos Estados gastar valores referentes a depósitos judiciais relativos a processos em que o poder público nem é parte – ou seja, um dinheiro que não é nem nunca será dos Executivos estaduais.
A verdade é que em todas essas leis há um vício de fundo que viola o direito de propriedade, reconhecido pela Constituição. Ainda que permaneçam parados numa instituição financeira, depósitos judiciais feitos por cidadãos e empresas são recursos privados. Não podem, assim, ser usados como se fossem recursos orçamentários. É isso que o STF tem de deixar claro, quando julgar o mérito da questão.

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