segunda-feira, 10 de outubro de 2016

ECONOMIA: Estagnação e aluguel caro deixam lojas fechadas em Ipanema

OGLOBO.COM.BR
POR MAURÍCIO FERRO

A Zona Sul perdeu 2.376 lojas de janeiro a julho, devido à crise
Loja fechada na Rua Visconde de Pirajá, um dos endereços mais valorizados da cidade: proprietários têm dificuldade de adequar preço do aluguel à realidade do mercado imobiliário - Pablo Jacob / Agência O Globo

RIO - Um passeio pelas calçadas de Ipanema é diversão garantida, com vitrines, bares e restaurantes para todos os gostos. Mas o bairro, que sempre esbanjou charme e sofisticação, agora também amarga os efeitos da crise, com cerca de cem lojas fechadas. Somente no mês de julho, 150 estabelecimentos encerraram suas atividades em toda a Zona Sul, de acordo com o Clube de Diretores Lojistas do Rio (CDL Rio), acompanhando a tendência do município, onde 2.376 lojas baixaram as portas de janeiro a julho. Especialistas atribuem o problema à combinação entre a valorização do metro quadrado na região nos últimos anos, a elevada taxa de desemprego e a inflação alta. O cenário deixa comerciantes sufocados pelos custos do aluguel, faz consumidores frearem as compras e leva pontos comerciais a ficarem abandonados.
— Tenho visto muitas lojas fechando nos últimos meses. A rua chega a ficar meio deserta, porque muitos desses estabelecimentos valorizavam os quarteirões em que estavam, atraindo gente. Várias lojas de roupas acabaram. E essa tendência só deu uma arrefecida com a Olimpíada, pois algumas multinacionais abriram as portas. Mas o comércio, de um modo geral, anda bastante diferente do que sempre foi. Nunca tinha visto um ponto ficar vazio por muito tempo, e, agora, vejo — conta a moradora e psicóloga Eliane Rahy.
PROPRIETÁRIOS X INQUILINOS
Muitas vezes o fechamento de lojas surpreende os moradores. A estudante Thaís Ferraz, de 23 anos, diz que fica assustada com o fato de alguns estabelecimentos baixarem as portas sem explicação:
— O fim de uma padaria aqui na Rua Visconde de Pirajá foi o que mais me deixou triste. Quando era pequena, almoçava lá com os meus pais. Era um ponto de referência no bairro. Agora o imóvel está abandonado. Também bate um pouco de medo da situação financeira do país, em especial da do estado, que está falido.
Patrícia Santana Nunes, de 34 anos, servidora pública, lamenta o que vem ocorrendo no bairro:
— Percebi que várias lojas fecharam, mas fiquei em choque com o restaurante espanhol, onde sempre jantava com os amigos. Além de um lugar lindo, a comida era muito boa, e o preço, ótimo. Fechou muito rápido.
Galeria está com três lojas fechadas há mais de um ano: o valor do aluguel caiu de R$ 3,5 mil para R$ 1,5 mil - Maurício Ferro / Agência O Globo

Para o professor de Varejo e Franquias da Fundação Getúlio Vargas, Daniel De Plá, que por muitos anos teve o seu próprio negócio em Ipanema, existe uma “verdadeira guerra” no bairro. De um lado, proprietários que querem um valor considerado alto pelo aluguel. De outro, inquilinos que pedem para pagar menos. Segundo ele, os preços de locação dispararam nos últimos anos, devido a eventos como a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos, mas o faturamento passou longe do esperado.
— A rotatividade das lojas em Ipanema está igual à dos grandes shoppings. Só que com uma grande diferença: não há fila de lojistas disputando para entrar no bairro; nos bons shoppings há. Nestes, como existe espera, o público não percebe o abre e fecha — afirma ele, ressalvando que grandes empresas também se instalaram no bairro no período. — Por outro lado, há vários casos de estabelecimentos que abrem para marcar presença. É o caso de algumas multinacionais. Às vezes, elas nem têm lucro, mas é importante para o conceito da marca estar naquela região. O Rio continua sendo um sonho de turismo para quem tem recursos financeiros. Essas lojas de grife dificilmente vão sair de Ipanema.
Em alguns casos, as lojas estão vazias há mais de um ano, um reflexo da relutância dos proprietários em cobrar menos dos novos inquilinos, pois não entendem que, agora, os tempos são outros e que o mesmo espaço vale menos. O Índice FipeZap Comercial (de agosto), que acompanha o preço de venda e locação de salas e conjuntos comerciais de até 200 metros quadrados em quatro cidades brasileiras, com base em anúncios da internet, aponta para um quadro de queda nos preços. Nos 12 meses encerrados em agosto, a retração foi de 12,28%.
PONTO MELHOR, MESMO PREÇO
No interior de uma galeria entre as ruas Henrique Dumont e Aníbal de Mendonça, há três lojas à espera de alguém disposto a alugá-las. O preço pedido para locação, de acordo com o lojista William Helal, que está há 17 anos no endereço, caiu mais de 50% desde o ano passado.
— Há um ano e meio, os donos estavam querendo R$ 3,5 mil. Mas os proprietários perceberam que não vão conseguir alugar e agora estão pedindo R$ 1,5 mil. Acredito que assim vão conseguir ocupar o espaço — disse Helal, que tem uma loja de brinquedos.
Na galeria que fica entre as ruas Maria Quitéria e Joana Angélica, das 60 lojas existentes há três pontos no térreo e nove na sobreloja desocupados há pelo menos um ano, sendo que uma delas está há dois anos sem funcionar. Nesse caso, o aluguel foi de R$ 15 mil para R$ 9 mil.
Em outra galeria próxima, há um ponto que está vazio há um ano. De 1976 até outubro do ano passado, o espaço foi ocupado por uma ótica, cujo dono optou por mudar de endereço, ao descobrir que havia, perto dali, um espaço de frente para a calçada pelo mesmo preço.
— Com a oportunidade de migrar, saí da galeria em outubro, mesmo restando três meses de contrato. De outubro até dezembro, paguei o aluguel de lá também. E valeu a pena. Praticamente não perdi clientes e, agora, há muito mais pessoas que veem a minha loja — afirmou Victor Paciello.
Um ano após a saída de Victor, o ponto continua vazio, exibindo duas placas, uma de “Aluga-se” e outra de “Vende-se”.
Mas há empreendedores que encontram ofertas de locação que são verdadeiras oportunidades para consolidar o negócio. Também há franquias que, por já estarem consagradas no mercado, criam raízes num lugar e não querem deixar o ponto. A esses dois grupos somam-se os estabelecimentos que se instalam em Ipanema para fortalecer o conceito da marca e formam um núcleo de certa forma imune às oscilações da economia.
SAI BANCO, ENTRA SORVETERIA
Uma sorveteria entre as ruas Vinicius de Moraes e Farme de Amoedo, por exemplo, escolheu sair de um lado da calçada para ficar num endereço exatamente em frente. Mas a mudança foi movida pela estratégia de se fortalecer no bairro, pois o novo espaço é seis vezes maior e o valor pago pelo aluguel é o mesmo. O local estava vazio há cerca de três anos, desde que o Citibank fechou sua agência.
— Passei a oferecer maior variedade de produtos. O tíquete médio também aumentou, porque as pessoas ficam sentadas conversando e decidem tomar mais um sorvete ou um café. Também ganhei maior capacidade de estoque, o que permitiu a abertura de outra loja no Leblon. Essa unidade centraliza o estoque daqui e de lá. Consegui um negócio que seria impossível há uns dois anos — conta o dono da sorveteria, Andrea Panzacchi.
Já em relação às franquias, Daniel De Plá comenta que, quando há desistência, muitas vezes o franqueador busca uma nova pessoa para ficar à frente do empreendimento para não ter que fechar um ponto, o que, segundo ele, seria prejudicial para a imagem da marca. Foi o que aconteceu com a loja de uma franquia de chocolates entre as ruas Farme de Amoedo e Teixeira de Mello, que há quase oito anos ocupa o ponto, mas que já está em seu terceiro franqueado.
— Se for para mudar de ponto, tem que ser algo bastante próximo, por causa da imagem. Não dá para sair daqui e ir para muito longe. E ainda teria um custo muito alto de reforma, para adequar a outra loja. Acho que, por ser franquia, acaba, sim, travando um pouco a rotatividade. Se não fosse, provavelmente não estaria mais aqui, porque o aluguel é muito alto — diz Betânia Veiga.

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