quarta-feira, 26 de agosto de 2009

EDITORIAL: Quebra do selo

De O GLOBO

Parece contrassenso um governo de tão bem pavimentadas relações com o sindicalismo do setor público enfrentar a debandada de boa parte da cúpula da Receita Federal, um dos órgãos vitais do Estado. A dimensão inédita da entrega de cargos de chefia leva a crer que mesmo a recolocação das peças a toque de caixa não será capaz de apaziguar os ânimos por lá.
Não se tem notícia de um movimento que tenha levado 12 dirigentes do alto escalão de qualquer organismo público - entre os quais um subsecretário e cinco dos dez superintendes - a entregar o cargo e emitir nota pública de teor político. A ligação das demissões com o afastamento da secretária Lina Vieira pelo ministro Guido Mantega, com apenas onze meses de gestão, é indiscutível. E se considerarmos como verdadeira a condição de Lina de legítima representante do Unafisco - o sindicato dos auditores fiscais -, conclui-se que o governo mexeu em vespeiro ao destituir a secretária e auxiliares.
A Receita, exemplo típico de instituição de Estado, e não de governo, é conhecida por se assentar sobre grupos com lideranças definidas. Lina Vieira seria uma delas. E logo com ela foi acontecer a questão da fiscalização na Petrobras - historicamente um satélite com vida própria a girar em torno da nave-mãe do Estado brasileiro -, numa queda de braço vencida pela estatal, e a polêmica da suposta conversa entre a ministra Dilma Rousseff, ungida candidata a suceder o chefe Lula, e Lina sobre a devassa em andamento nas empresas de Fernando Sarney, filho de um forte fiador da candidatura da ministra.
Tudo é combustível para alimentar incêndios potencialmente devastadores. A destituição de Lina Vieira parece ter funcionado como centelha de uma explosão que levou o governo do PT, aliado de corporações sindicais - ironia -, a sair chamuscado pelo grave teor da nota redigida pelos demissionários. São graves as referências feitas pelos funcionários a práticas não republicanas dentro da Receita, à ingerência política na instituição, assim como a insinuação de que houve pressão para a fiscalização tirar o foco de "grandes contribuintes".
Quais, além da estatal? Como se dão as supostas ingerências políticas? Além dessas interferências, quais outras práticas não republicanas ocorreram ou ocorrem? São perguntas que necessitam de respostas cabais e críveis. A Receita é guardiã legal de informações da esfera privada da população e empresas. Quebrar esse selo de confiabilidade é investir contra o estado de direito.

Editorial de O Globo, dia 26 de agosto de 2009

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