segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

POLÍTICA: Documento relata invasão armada e insegurança em consulado brasileiro em Caracas

UOL
Talita Marchao
Do UOL, em São Paulo

Reprodução
Foto tirada de dentro do consulado em fevereiro de 2013 mostra parede de tijolos construída nos portões

Um prédio sem segurança adequada, com cortes de água que chegaram a durar dez dias e relatos de invasão de homens armados: é assim que a cônsul-geral do Brasil em Caracas, Elza Moreira Marcelino de Castro, descreve as instalações do consulado na capital venezuelana. Em telegramas obtidos pelo UOL, com base da Lei de Acesso à Informação, ela cita ainda casos de sequestros de funcionários do posto consular.
Na comunicação enviada em 28 de junho de 2016, a diplomata afirma que o consulado não possui "sistema de câmeras de ampla cobertura e dotado de tecnologia que assegure melhor resolução de imagens; detector de metal; ou portões eletrônicos com dispositivos para impedir a entrada de indivíduos mal-intencionados".
Como exemplo, ela cita um incidente registrado em 2014, quando "bandidos adentraram as instalações deste CG [consulado geral] para roubar à mão armada um dos usuários do serviço consular. O incidente provocou um alarmante estado de pânico entre os funcionários e o público presente".


O caso citado por Elza ocorreu em 21 de junho de 2014. Em outro telegrama, a cônsul relata que homens armados invadiram o consulado no período da tarde, "em presença do segurança e diante do público", e roubaram o cidadão ganense Philip Amatey Wuddah, que aguardava para receber senha de atendimento e foi obrigado a entregar os seus pertences dentro do prédio da chancelaria. Os bandidos usaram três carros e várias motos nas imediações, segundo afirma a correspondência.


Na correspondência de 2016, Elza diz que já havia informado em telegramas anteriores "diversos casos de violência envolvendo o sequestro ou tentativa de sequestro de funcionários deste posto, alguns dos quais tiveram que mudar de residência para estar mais perto da chancelaria, embora já vivessem nas cercanias".
Quem cita o caso envolvendo o sequestro de uma funcionária brasileira é o embaixador Ruy Pereira em telegrama enviado em 11 de julho de 2014. Segundo ele, a diretora do Instituto Cultural Brasil-Venezuela, Irlanda Rincón Chalbaud, foi sequestrada em 2012. O instituto é privado, mas ligado à chancelaria brasileira.


O Itamaraty recusou os pedidos de entrevista do UOL para a diplomata Elza Moreira Marcelino de Castro. Os pedidos enviados ao consulado geral, feitos a uma funcionária venezuelana da chancelaria, não foram respondidos. Até o fechamento desta reportagem, o Itamaraty não respondeu oficialmente a nenhum questionamento sobre os telegramas da cônsul ou sobre a responsabilidade do governo venezuelano de assegurar a segurança do local.
"Modéstia persistente de recursos financeiros disponíveis"
De acordo com a correspondência enviada pela diplomata, a repartição consular não se beneficia do apoio de policiais da Guarda Nacional Bolivariana, e a empresa contratada para a segurança pelo consulado não porta armas. Segundo o site Transparência Brasil, que divulga os gastos oficiais do governo federal, incluindo as despesas do Itamaraty, a empresa venezuelana responsável pela segurança é a SK Seguridad Karlim 99, que foi convidada a prestar serviços --sem passar por licitação, dispensada pela lei 8.666, que institui normas para a contratação de prestadores de serviços do governo.
A diplomata relata que o consulado foi aberto em 2008, "numa época em que as preocupações em matéria de segurança pareciam supérfluas", e pondera que a escolha da sede da chancelaria --uma casa no bairro de Altamira, onde ficam outras embaixadas e consulados na capital-- não levou em conta qualquer cenário de que a situação poderia se deteriorar. "As decisões tomadas posteriormente em matéria de segurança tampouco contemplaram a hipótese do agravamento da situação, o que, acoplado à modéstia persistente de recursos financeiros disponíveis, se reduziram à instalação de itens elementares, atualmente obsoletos e insuficientes para cobrir as necessidades".
Nos telegramas de 2014, ela já pedia a instalação de detectores de metais, queixava-se da qualidade das câmeras e chega até a citar um caso de violência envolvendo um cidadão brasileiro que atirou "vidros, bombas de festim e pedra volumosa sobre o muro de suposta proteção desta chancelaria, chegando, inclusive, a quebrar o para-brisa dianteiro de veículo oficial estacionado no pátio interno".
Elza afirma ainda que, no dia 26 de junho de 2016, "marginais invadiram o prédio de um desses mesmos funcionários e roubaram a ele e sua família quando desfrutavam de churrasco no terraço".
Outros telegramas relatam a invasão a casas de outros funcionários da chancelaria, um deles chegou a ser "amarrado e mantido sob ameaça de arma por várias horas" em 2014. Um dos funcionários diz ainda que chegou a ser seguido após deixar o prédio do consulado.
No Portal da Transparência, consta a compra de equipamentos de segurança, entre eles discos rígidos, um monitor de TV LED e 16 câmeras de dois tipos. Desde que o telegrama foi enviado por Elza ao Itamaraty, em junho de 2016, não há qualquer referência sobre a compra ou instalação de detectores de metal na prestação de contas do consulado.
O bairro em que o consulado está instalado passava por um rodízio de água previsto para ser realizado em três dias por semana, segundo a cônsul. Entretanto, Elza diz que chegaram a passar mais de dez dias sem abastecimento de água. Ela pede a readequação do horário de funcionamento para se adaptar às dificuldades de manter os trabalhos com os cortes de água, luz e serviços de telefonia e internet.
Relações estremecidas
A Venezuela passa por uma grave crise, com altos índices de criminalidade, escassez de água, frequentes apagões de energia elétrica e a falta de alimentos e produtos de necessidade básica e medicamentos.
Além disso, o país não reconhece oficialmente o governo de Michel Temer (PMDB). Brasil e Venezuela retiraram seus embaixadores desde que o governo de Nicolás Maduro convocou para consultas o diplomata venezuelano em Brasília, como um meio de manifestar sua insatisfação com o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), chamando a saída dela de "golpe oligárquico". Em resposta ao ato venezuelano, o chanceler José Serra convocou o embaixador Ruy Pereira.

Pedro Ladeira/Folhapress
2.jan.2015 - A ex-presidente Dilma Rousseff participa de encontro bilateral com o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, no Palácio do Planalto, em Brasília

Neste mês, o presidente da Assembleia Nacional da Venezuela, Julio Borges, opositor de Maduro, foi recebido por representantes do governo brasileiro em Brasília, entre eles o chanceler José Serra (PSDB), o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM), e o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB).
A visita do parlamentar opositor ocorreu um dia após ele publicar uma carta que recebeu de Temer, afirmando que o governo de Maduro recusou um carregamento de remédios que o Brasil estaria disposto a mandar como ajuda humanitária ao país vizinho.
ANDRESSA ANHOLETE/AFP
8.fev.2017 - Presidente da Assembleia venezuelana, Julio Borges, se reúne com o chanceler José Serra em Brasília

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