De O GLOBO.COM.BR
Para a entidade, cenário de queda acelerada da
Selic não garante “ampliação significativa da oferta de crédito doméstica” nos
próximos meses
SÃO PAULO e BRASÍLIA — Uma semana depois de terem se transformado em alvo da
artilharia da presidente Dilma Rousseff para reduzir os juros, os bancos
reagiram. Na véspera do Dia do Trabalho, a presidente foi à TV no horário nobre
e criticou a “lógica perversa” do sistema financeiro, chamou de “roubo” as
tarifas cobradas para administrar fundos de investimento e pediu queda urgente
das taxas cobradas a consumidores e empresas. Ontem, a Federação Brasileira dos
Bancos (Febraban), enfim, se pronunciou. E não hesitou em apelar para a
metáfora:
“Alguém já disse que você pode levar um cavalo até a beira do rio, mas não
conseguirá obrigá-lo a beber a água”, escreveu Rubens Sardenberg,
economista-chefe da federação, que divulgou ontem um relatório e pôs em dúvida a
eficácia das medidas oficiais para estimular a concessão de empréstimos e
aquecer a economia. Interlocutores da presidente Dilma reagiram com ironia ao
relatório. Ao ouvir a frase, um técnico rebateu:
— Você não pode obrigar um cavalo a beber água, mas ele também pode morrer de
sede.
Para a Febraban, não há garantia de uma “ampliação significativa da oferta de
crédito doméstica” nos próximos meses, apesar do cenário de queda acelerada da
taxa básica de juros, a Selic. Na sexta-feira, o ministro da Fazenda, Guido
Mantega, disse que “o crédito não está crescendo a contento” e que os “bancos
são um pouco resistentes”.
Intitulado “Informativo Semanal de Economia Bancária”, o relatório é o
resultado de uma consulta feita pela própria Febraban junto aos bancos sobre as
principais estimativas dos bancos. No texto divulgado ontem, não há menção sobre
a pressão do governo. O texto de Sardenberg diz que “a mudança nas regras da
poupança funcionou como estímulo adicional para o mercado trabalhar com a
expectativa de novos cortes na Selic”. Mas, em seguida, pondera que a “questão
que se coloca agora é até que ponto essas reduções (de juros e da remuneração da
poupança) vão estimular a ampliação da oferta de crédito”. Para a Febraban, o
país vive hoje um paradoxo econômico, que funciona como obstáculo para os
objetivos do Planalto. “A piora dos indicadores, especialmente os externos, abre
espaço para quedas adicionais dos juros básicos, mas ao mesmo tempo parece impor
uma cautela adicional aos agentes econômicos”.
Desgaste com lista de reivindicações
Os dados de inadimplência nos empréstimos, que se refletiram nos balanços do
primeiro trimestre dos grandes bancos, preocupam os banqueiros em relação ao
aumento da concessão do crédito. Há ainda outro fator, que é a expectativa de a
Selic voltar a subir em 2013, o que também inibiria a expansão das carteiras. “É
possível criar condições mais favoráveis à expansão do crédito reduzindo as
taxas básicas, mas uma ampliação efetiva das operações passa por uma postura
mais agressiva, tando dos emprestadores como dos tomadores de crédito, que por
sua vez depende de expectativas econômicas mais otimistas”.
Pela pesquisa que acompanha o relatório, os bancos reduziram sua projeção
para a expansão da carteira de crédito neste ano: de 16,6%, no levantamento
feito no mês passado, para 16,2%. Quanto à trajetória da Selic, 59,3% dos
economistas consultados pela Febraban esperam que a taxa básica de juros (em 9%
ao ano) volte ao patamar de 10% em dezembro de 2013.
Para a equipe econômica, as taxas de juros atuais são incompatíveis com as
condições de solvência da economia e deveriam se equiparar ao padrão
internacional de taxa. Os bancos públicos foram escolhidos como ponta-de-lança
dessa disputa. Só o Banco do Brasil já anunciou três mudanças de juros desde o
mês passado.
Um fator adicional de estresse entre bancos e governo, segundo analistas, é o
desgaste do presidente da Febraban, Murilo Portugal. Em reunião em abril,
Portugal disse que a redução mais rápida das taxas de juros dependeria de vários
outros pontos, como a queda da inadimplência e a redução dos compulsórios
(dinheiro que os bancos têm de repassar ao BC). Para o governo, essa postura
mostrou que os bancos não querem reduzir margens de lucro:
— Quem apresenta uma lista com duas demandas quer resolver um problema. Já
quem apresenta uma lista com 23 não quer tratar de nada, apenas criar
dificuldades — disse um interlocutor da presidente.
Portugal participou ontem de um seminário, mas não falou sobre juros.
Procurada para comentar o relatório do seu economista-chefe, a Febraban disse
que não se pronunciaria.
Oficialmente, o Planalto preferiu não comentar o relatório, mas
reservadamente os técnicos destacam que, embora a presidente esteja travando uma
queda de braço pela redução dos spreads, das tarifas e pelo aumento do crédito,
ela sabe que não há como obrigar os bancos a fazerem isso.
— O que vai fazer os bancos agirem é o próprio mercado — disse uma
fonte.
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