Por Celso Ming - O Estado de S.Paulo
Há algumas semanas a economia brasileira vem passando certos sinais de
desarrumação.
Não dá mais, por exemplo, para continuar afirmando que a inflação não é
problema. O avanço do IPCA de abril, de nada menos que 0,64% (foi de 0,21% em
março), e, mais do que isso, o nível de difusão dessa alta (63%) mostram que ela
não pode ser atribuída apenas à estocada dos preços dos cigarros - como sugeriu
ontem o ministro da Fazenda, Guido Mantega.
A primeira prévia do IGP-M de maio também apontou uma guinada forte dos
preços no atacado (de 1,15%). E, como o atacado de hoje tende a ser o varejo de
amanhã, em consequência desse fator alguma inflação adicional está encomendada.
A força das remarcações no atacado, por sua vez, reflete em alguma medida a
escalada das cotações do dólar no câmbio interno, de 6,5% nas últimas cinco
semanas, induzidas por ação do Banco Central.
A ânsia por puxar pela desvalorização do real parece ter impedido o governo
Dilma de entender que, nos dois últimos anos, a indústria ficou muito mais
dependente das importações. Para enfrentar custos crescentes dos fatores de
produção, sobretudo da mão de obra, o setor industrial recorreu mais pesadamente
às importações de matérias-primas, insumos, peças e conjuntos. A alta do dólar
no câmbio interno criou um custo adicional de produção que está sendo repassado
quase automaticamente para os preços finais.
Essa nova alta de preços vai sendo desenhada num ambiente em que o consumo
cresce entre 5% e 6% ao ano sem contrapartida da atividade econômica, que vai
ficando para trás.
Por falar nisso, a presidente Dilma enfrenta agora a perspectiva de não poder
entregar, pelo segundo ano consecutivo, o crescimento econômico anual prometido,
desta vez entre 4,0% e 4,5%. O discurso oficial ainda conta com essas projeções.
Mas o mercado, consultado semanalmente pelo Banco Central por meio de sua
Pesquisa Focus (que atinge cerca de 100 instituições), já trabalha com
crescimento do PIB para 2012 de só 3,2%. Mas um punhado de analistas passou a
projetar números inferiores a 3,0%. O mau desempenho da indústria, reafirmado
por um punhado de estatísticas de origens diversas, parece confirmar essa
percepção.
Em outras palavras, o comportamento insatisfatório do setor produtivo vai
mostrando os limites da atual política econômica voluntarista da presidente
Dilma, construída com sucessão de puxadinhos e expedientes improvisados. Parece
mais difícil agora esticar a alta do dólar e derrubar os juros para elevar a
competitividade da indústria.
Essa desarrumação foi ontem enfaticamente desmentida pelo ministro Guido
Mantega. Mas está cada vez mais difícil confiar nas declarações dele,
ultimamente contrariadas pelos fatos. O último objeto dos reiterados desmentidos
do ministro foram as mudanças nas cadernetas. Mantega argumentava que não havia
o que alterar nas regras das cadernetas, porque não detectara migração
significativa de aplicações dos fundos de renda fixa para elas. Agora, insiste
em que a alta do dólar no câmbio interno não provoca inflação relevante. Tomara
que o ministro esteja certo e que, no final deste ano, possa comemorar um
crescimento do PIB de ao menos 4,5%.
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