Único dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) a votar na sessão desta
quarta-feira (25), o relator da Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental (ADPF 186), ministro Ricardo Lewandowski, julgou totalmente
improcedente o pedido feito pelo Partido Democratas (DEM) contra a política de
cotas étnico-raciais para seleção de estudantes da Universidade de Brasília
(UnB). A sessão continuará amanhã (26), a partir das 14h, quando os demais
ministros do STF deverão proferir seus votos.
Em um extenso e minucioso voto (leia
a íntegra), o ministro Lewandowski afirmou que as políticas de ação
afirmativa adotadas pela UnB estabelecem um ambiente acadêmico plural e
diversificado e têm o objetivo de superar distorções sociais historicamente
consolidadas. Além disso, segundo o relator, os meios empregados e os fins
perseguidos pela UnB são marcados pela proporcionalidade e razoabilidade e as
políticas são transitórias e preveem a revisão periódica de seus resultados.
Quanto aos métodos de seleção, o relator os considerou “eficazes e compatíveis”
com o princípio da dignidade humana.
“No caso da Universidade de Brasília, a reserva de 20% de suas vagas para
estudante negros e ‘de um pequeno número delas’ para índios de todos os Estados
brasileiros pelo prazo de 10 anos constitui, a meu ver, providência adequada e
proporcional ao atingimento dos mencionados desideratos. A política de ação
afirmativa adotada pela Universidade de Brasília não se mostra desproporcional
ou irrazoável, afigurando-se também sob esse ângulo compatível com os valores e
princípios da Constituição”, afirmou o relator.
Preliminares
O ministro Lewandowski iniciou seu voto afastando as preliminares de não
conhecimento da ação levantadas e afirmou o cabimento da Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental por considerá-la o meio mais adequado e
hábil para sanar a lesividade apontada pelo Partido Democratas (DEM). Segundo o
relator, para efetivar o princípio constitucional da igualdade, o Estado pode
lançar mão de políticas universalistas (de grande alcance) e também de ações
afirmativas, que levam em conta a situação concreta de determinados grupos
sociais.
Lewandowski salientou que, ao contrário do que muitos pensam, a política de
ações afirmativas não tem origem norte-americana. Ela surgiu na Índia, país
composto por uma sociedade de castas, sob a condução do líder pacifista Mahatma
Gandhi. Lembrando que o Brasil é uma sociedade marcada por desigualdades
interpessoais profundas, o ministro afirmou que a adoção de critérios objetivos
de seleção para ingresso dos cotistas nas universidades deve levar em conta o
ganho social que esse processo acarretará na formação de uma sociedade mais
fraterna.
Discriminação
Citando números do Ministério da Educação, o ministro Lewandowski lembrou que
apenas 2% dos negros conquistam diploma universitário no Brasil e afirmou que
aqueles que hoje são discriminados têm um potencial enorme para contribuir para
uma sociedade mais avançada. O ministro iniciou a análise da constitucionalidade
da seleção de candidatos por meio da adoção de critério étnico-racial afastando
o conceito biológico de raça, por considerá-lo um conceito “artificialmente
construído ao longo dos tempos para justificar a discriminação”.
Quanto ao argumento do DEM de que a inexistência cientificamente comprovada
do conceito biológico de raça impediria a utilização do critério étnico-racial
para seleção dos cotistas, o ministro Lewandowski lembrou que o Supremo já
enfrentou essa questão ao julgar o Habeas Corpus (HC 82424), impetrado em favor
de Siegfried Ellwanger, acusado do crime de racismo por ser o responsável pela
edição e venda de livros fazendo apologia de ideias preconceituosas e
discriminatórias em relação à comunidade judaica.
Celeiros de recrutamento
“A histórica discriminação de negros e pardos, revela um componente
multiplicador, mas às avessas, pois a sua convivência multissecular com a
exclusão social gera a perpetuação de uma consciência de inferioridade e de
conformidade com a falta de perspectiva, lançando milhares deles, sobretudo as
gerações mais jovens, no trajeto sem volta da marginalidade social”, afirmou o
relator. Ele ressaltou o papel integrador da universidade como principal centro
de formação das elites brasileiras e sua transformação em celeiros privilegiados
para o recrutamento de futuros líderes.
“Tais espaços não são apenas ambientes de formação profissional, mas
constituem também locais privilegiados de criação de futuros líderes e
dirigentes sociais. Todos sabem que as universidades, e em especial as
universidades públicas, são os principais centros de formação das elites
brasileiras. Não constituem apenas núcleos de excelência para a formação de
profissionais destinados ao mercado de trabalho, mas representam também um
celeiro privilegiado para o recrutamento de futuros ocupantes dos altos cargos
públicos e privados no país”, asseverou.
Para o relator, as políticas de ações afirmativas da UnB resultam num
ambiente acadêmico plural e diversificado e servem para superar distorções
sociais historicamente consolidadas. “O reduzido número de negros e pardos que
exercem cargos ou funções de relevo em nossa sociedade, seja na esfera pública,
seja na privada, resulta da discriminação histórica que as sucessivas gerações
de pessoas pertencentes a esses grupos têm sofrido, ainda que na maior parte das
vezes de forma camuflada ou implícita. Os programas de ação afirmativa em
sociedades em que isso ocorre, entre as quais a nossa, são uma forma de
compensar essa discriminação, culturalmente arraigada, não raro praticada de
forma inconsciente e à sombra de um Estado complacente”, ressaltou o
relator.
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