sexta-feira, 21 de outubro de 2016

ECONOMIA: Tesouro aponta que rombo dos estados é pior que o informado

OGLOBO.COM.BR
POR MARTHA BECK

Rio é caso mais emblemático

Palácio Guanabara - Ana Branco / Agência O Globo

BRASÍLIA - O Tesouro Nacional apresentou ontem uma radiografia detalhada das finanças estaduais. O documento mostra, em série, os capítulos que levaram os governos regionais à atual situação de penúria fiscal: maquiagem de estatísticas, crescimento vertiginoso de gastos com pessoal, especialmente inativos, e aumento de endividamento. Tudo agravado pela recessão econômica, que bateu em cheio nas receitas. O Rio de Janeiro, afirmam os técnicos do governo, é o protagonista dessa novela.

Foi o estado que apresentou, por exemplo, o maior aumento nas despesas com inativos e pensionistas: 106,4% entre 2012 e 2015. No período, essa conta subiu de R$ 5,251 bilhões para R$ 10,841 bilhões, segundo o novo Boletim das Finanças Públicas dos Entes Subnacionais. No conjunto dos estados, o crescimento foi de 58%, de R$ 48,617 bilhões para R$ 77,073 bilhões, nesse período.
Essa deterioração deveria estar refletida nas estatísticas fiscais. No entanto, o Tesouro constatou que o quadro não é bem assim. Os números declarados pelos estados são, em geral, mais favoráveis do que os calculados pelo Ministério da Fazenda. O boletim traz uma comparação entre a forma como eles apresentam um dos principais indicadores da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF): a relação entre pessoal e receita corrente líquida (RCL). Para ser considerada saudável, essa proporção não pode ser maior que 60%.
DÉFICIT NA PREVIDÊNCIA: NO RIO, DIFERENÇA ABISSAL
Segundo o Tesouro, somente dois governos estaduais estão acima dos 60% pelo critério dos estados. Já com a regra mais rígida, o total chega a oito: Distrito Federal, Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Paraná, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.
Quando a conta é feita pelos estados, aponta o documento, essa relação é bem menor. Em Minas Gerais, por exemplo, a relação pessoal/RCL é de 57,33% no cálculo local, contra 78% nas contas do Tesouro. No Rio Grande do Sul, essa proporção sobe de 58,11% para 70,62%; e no Rio de Janeiro, de 41,77% para 62,84%. Ou seja, os três ficam desenquadrados na LRF pelo critério da Fazenda. Na média de todos os estados, a relação sobe de 54,29% para 58,01%.
O especialista em contas públicas Raul Velloso explica que essa discrepância se deve a uma falha da LRF, que dá margem aos estados para excluir da conta de pessoal algumas despesas. Esse tipo de manobra, muitas vezes apoiada pelos Tribunais de Contas estaduais, faz com que saiam do cálculo gastos, por exemplo, com terceirizados e com o Imposto de Renda (IR) que incide sobre os salários dos servidores.
— A LRF hoje é letra morta para o indicador de pessoal. Isso distorce as estatísticas e não revela a verdadeira situação dos estados — diz Velloso.
Para corrigir esse problema, no início do ano, o governo federal chegou a incluir no projeto de renegociação de dívidas dos estados com a União uma exigência de que os governadores mudassem a forma como calculam gastos com pessoal. Mas, pressionado por categorias do funcionalismo (que viu na nova regra um risco para a concessão de novos reajustes e a realização de concursos), recuou, deixando as mudanças na LRF para depois. Segundo a secretária de Fazenda de Goiás, Ana Carla Abrão, a equipe econômica tem de alterar a lei o mais rapidamente possível. No estado, a diferença na conta eleva a relação pessoal/RCL de 50,41% para 63,84%.
— A LRF está sendo totalmente descumprida — alerta ela.
Outra discrepância grave está no cálculo do déficit da Previdência. Nas contas do Tesouro, o rombo dos estados em 2015 chegou a R$ 77,072 bilhões, contra R$ 59,119 bilhões informados pelos governos regionais. A maior diferença é no Rio: o estado declara um déficit de R$ 542,04 milhões, quando o observado pela equipe econômica é de R$ 10,840 bilhões.
Segundo Velloso, a transparência do rombo da Previdência é importante para ajudar o governo aprovar as reformas necessárias ao reequilíbrio das contas públicas. O próprio documento do Tesouro ressalta a importância da contenção de gastos e da reforma das aposentadorias: “Controle dos aumentos salariais, nos gastos comissionados e contenção de contratações de terceirizados são algumas medidas que podem ser adotadas para reverter o aumento de gastos. Já para os inativos, a solução passa pela reforma da Previdência dos servidores públicos.”
O documento também ressalta o aumento do endividamento dos estados, estimulados a tomar crédito no governo Dilma Rousseff. Mesmo aqueles que não tinham nota de bons pagadores puderam fazer empréstimos em bancos. Entre 2012 e 2014, a concessão de garantias da União a operações de crédito de estados e municípios foi maior para os entes com capacidade fiscal classificada como C ou D do que para os entes com capacidade A ou B. E os recursos não foram usados como investimento: os estados elevaram suas despesas de pessoal. O Rio, por exemplo, classificado como C- em 2013 e depois como D (pior nota de crédito), aumentou sua dívida com bancos federais, de R$ 3,941 bilhões em 2012 para R$ 21,035 bilhões em 2015.
— O resultado dessa política e desses problemas é o que está aí agora. E o Rio é a foto do que o Arno (Augustin, ex-secretário do Tesouro) fez no governo federal — disse um técnico.
O boletim deixa claro que nem todos os governadores conseguirão o tão esperado aval do Tesouro para novas operações de crédito. A equipe econômica se comprometeu a liberar esses empréstimos para estados com classificação A ou B. Mas, segundo o documento, nenhum tem nota A. Dos 27 estados, 14 têm classificação B. Os demais têm notas que variam de C+ (Sergipe, Rio Grande do Norte e Paraíba) a D (Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul). O Tesouro ainda fez uma reclassificação das notas, e dez estados pioraram. Somente três — Alagoas, Mato Grosso do Sul e Paraná — tiveram melhora, sendo que apenas o Paraná passou a se qualificar para o aval do Tesouro, ao subir de C+ para B-.

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