quinta-feira, 10 de novembro de 2011

COMENTÁRIO: Alpiste a passarinho

Por SAMUEL CELESTINO - A TARDE


Em outros tempos da política brasileira exercitava-se à larga um remédio infalível para estabelecer um ponto final nas crises resultantes da ineficiência das gestões e dos problemas que cresciam e sombreavam o poder, estruturado como base os partidos políticos. Nada diferente do que hoje se denomina “governo de coalizão”, a exemplo do de Dilma Rousseff, cuja raiz está no lulismo. A presidente recebeu um governo organizado pelo seu antecessor composto por ministros especialistas em “malfeitos”.
Nos tempos a que me refiro, quando aconteciam fatos que nem de longe se aproximam, em semelhança, aos escândalos republicanos de hoje, os ministros se reuniam e, para poupar o governante, acordavam uma renúncia coletiva. Era uma solução sem erro.
A partir da entrega dos cargos, o governante ficava à vontade para decidir, sem que ninguém se sentisse melindrado, aqueles auxiliares que permaneceriam. Os que ficavam de fora permaneciam com o seu conceito ético íntegro. Não significa que, naqueles tempos, houvesse ética ou princípios morais, mas, com certeza e sem qualquer dúvida, o patamar estava muito acima do que hoje se observa. Uma saída para Dilma seria uma renuncia coletiva do seu ministério, abrindo espaço para que ela reorganizasse a sua gestão.
O que se vê, no entanto, é uma República fatiada entre partidos, de acordo com a sua representatividade no Congresso Nacional. Cada um tem o seu ou os seus pedaços e, aí, ou os aparelha, ou aparelham, com amigos e correligionários. Cada ministério se transforma então num espaço para pic-nic (coisa antiga) onde na cesta essencial são recolhidas as propinas destinadas aos partidos, aos seus integrantes, ou aos dois. Dilma perdeu nesse primeiro ano que não chegou ao fim cinco ministros, supostamente por praticar “malfeitos”, palavrazinha mais dignificante do que corrupção, mas que, no fim, dá no mesmo.
Há mais um ministro a caminho da guilhotina, o do Trabalho, Carlos Lupi, do PDT, cuja sorte irá ser determinada por alguns fatores, entre eles a Comissão de Ética Pública que, na segunda-feira última, decidiu abrir processo contra o ministro do Trabalho para apurar as denúncias de irregularidades nos convênios da pasta com organizações não-governamentais (ONG). Se Lupi pensa que pode ser apascentado por tal comissão, se engana e muito. Mesmo que, ufano, em bravata idiota diga que só do cargo na bala. A começar porque a relatora do processo chama-se Marília Muricy, que foi secretária de Direitos Humanos de Jaques Wagner no primeiro governo, seqüenciada por Nelson Pelegrino.
Marília é uma das mulheres mais brilhantes que conheci, colega de turma que foi na Faculdade de Direito da UFBa. Brilhante, séria e inaccessível aos que procuram “facilidades”. Se houver alguma coisa concreta contra Lupi ela apontará. Não é de flexibilizar para favorecer a quem quer que seja. A Comissão, aliás, abriu dois processos: um contra o ministro Lupi, com relação às publicações nas revistas deste fim de semana que passou, e outro contra Marcus Vinicius Neder, ex-auditor da Receita Federal que, segundo a revista "Época", teria logo após deixar o cargo para o exercício profissional da advocacia junto à Receita.
Essa informação sobre o segundo caso é do presidente da Comissão de Ética, Sepúlveda Pertence. Respalda-se, de acordo com o jornal o Globo, de um “achado” da Controladoria-Geral da União e da Polícia Federal. Teriam sido encontrados no ministério indícios de fraudes em convênios com ONGs, “iguais àquelas que provocaram a saída dos ministros do Esporte e do Turismo.” Diz o jornal que “para o Tribunal de Contas da União, a situação no Ministério do Trabalho é crítica.” E mais: “a auditoria revela que a pasta engavetou mais de 500 prestações de contas das entidades sem fins lucrativos.”
Lupi já estava marcado, diante de tantas informações que vazavam em Brasília envolvendo a sua forma de proceder no governo. Mas ele (como os outros ministros que caíram) fala em onda de denuncismo e quer provas. Talvez as tenha. Sua situação torna-se pior porque o PDT, seu partido, está dividido e ele tenta juntar os cacos. Conseguiu, em parte, numa reunião que organizou. Muitos dos seus integrantes no Congresso não gostam de Carlos Lupi, por motivos desconhecidos. Às vezes, há quem não goste daqueles que querem “afogar o gato” sozinho, sem partilha do botim republicano.
Não é o caso, por exemplo, do gaúcho-baiano, Alexandre Brust, um histórico brizolista que preside o PDT na Bahia, homem sério, mais vinculado à história do que à planície que se observa no Brasil de hoje. Brust defende Lupi e crê que ele sairá bem da situação. Pode ser. Quem sabe se não sai bem tal qual Orlando Silva, ex do Esporte, defendido com unhas e dentes pelo PC do B. Saiu com cara de tacho, mas inteiro, elogiado por Dilma como se fosse um deus tropical. A presidente não quer briga com o PC do B, seu velho conhecido e de bela tradição, como tenho acentuado.
Orlando, o Bom, anda por aí se considerando vítima das circunstâncias, e por circunstâncias entenda-se a imprensa denunciante e, quem sabe, as ONGs descaradas (porque há ONGs sérias) que não chegaram a meter a mão no tesouro público porque a comida lhes chegou às mãos. Como se dá alpiste a passarinho.
*Coluna de Samuel Celestino publicada no jornal A Tarde desta quinta-feira (10).

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