Por Gilles Lapouge - O Estado de S.Paulo
A Primavera Árabe do Egito, essa sublevação da rua, essas massas em júbilo
que fizeram da Praça Tahrir, em janeiro e fevereiro de 2011, um baluarte da
liberdade, encerrou-se, no domingo, com a eleição para presidente de Mohamed
Morsi, o candidato da Irmandade Muçulmana (islâmica) que venceu o candidato dos
militares, o general da reserva Ahmed Shafiq (que foi primeiro-ministro de Hosni
Mubarak).
Tudo isso parece uma ironia da história. No ano passado, as revoltas da Praça
Tahrir tinham por objetivo, de um lado, acabar com o controle do Exército sobre
o país, de outro, rejeitar o islamismo político. Um ano após o triunfo dos
democratas da Praça Tahrir, eis a conclusão: os "democratas" sumiram. E as duas
forças contra as quais eles lutavam, duas forças que, aliás, se odeiam, dividem
o poder: os islâmicos (Irmandade Muçulmana) levaram a presidência enquanto o
Exército, que perdeu a eleição presidencial, assegurou para si o controle sobre
o Parlamento e a redação de uma futura Constituição.
Imaginar o futuro próximo nesse teatro de sombras seria uma piada. Mas
podemos nos perguntar sobre a relação entre Egito e Israel caso a Irmandade
Muçulmana exerça de fato o poder. É o que fazem os israelenses - sem alegria nem
otimismo. Não esqueçamos de que o Egito havia assinado, em Camp David, um acordo
de paz com Israel em 1979 que vale desde então para o Egito uma ajuda americana
de US$ 2,1 bilhões por ano e estabilizou as relações entre o Egito e Israel.
Mas, e agora? Com a partida de Mubarak e a Irmandade instalada no Cairo, será
que o Egito retomará as hostilidades contra Israel? O presidente Mohamed Morsi
foi tranquilizador. Ele respeitará os acordos com Israel. Ótimo. Mas quando ele
fala do Estado judeu, refere-se a ele como "entidade sionista". Mau presságio.
Os israelenses viram suas lunetas para um ponto preciso do Oriente Médio: a
Faixa de Gaza, que está ocupada pelos membros do Hamas, a ala extremista dos
palestinos, ao contrário da Cisjordânia, que é controlada pelos palestinos
moderados da Fatah. Não custa lembrar que o Hamas foi fundado em 1987 por
membros dessa mesma confraria da Irmandade Muçulmana que hoje acaba de assumir a
presidência no Cairo.
De imediato, uma outra nuvem. O Egito vai consagrar todas as suas forças para
acalmar a situação interna. Com isso, vai afrouxar a vigilância que exerce sobre
o Sinai, essa língua de deserto que lhe pertence, ao sul de Israel.
Desde a Primavera Árabe, esse Sinai já é pouco controlado pelo Exército
egípcio. Virou uma terra de ninguém. Tribos beduínas praticam a extorsão e o
terrorismo. Segundo Jerusalém, esse desregramento é respaldado justamente pelos
grupos islâmicos de Gaza.
Compreende-se, portanto, que as autoridades de Israel tenham acolhido a
vitória de um "irmão" no Cairo como uma calamidade. Com uma grande incógnita, de
mais a mais: qual será o comportamento dos militares egípcios que não simpatizam
com os islâmicos? Sobre esse ponto, nenhuma certeza. Tudo faz pensar que a
eleição de um membro da Irmandade à presidência, longe de encerrar o processo
democrático, nascido há um ano, ao confiscá-la para benefício dos islâmicos, não
nada mais do que o começo do segundo ato de uma peça de teatro cujo desfecho
ninguém saberia prever. / TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK.
É CORRESPONDENTE EM PARIS
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