Por Merval Pereira, O Globo
Fazer com que Lula fosse visitá-lo em sua casa para selar publicamente o
acordo político de apoio à candidatura de Fernando Haddad à prefeitura de São
Paulo é o ponto de destaque, com requintes de crueldade, dessa aliança, que de
inusitada não tem nada, a não ser a marcha batida do PT para escancarar seu
pragmatismo à medida que Lula se sente acima do bem e do mal, podendo fazer
qualquer coisa para vencer eleições.
Em 2004, Maluf já apoiara Marta Suplicy no segundo turno contra Serra, mas
naquela ocasião ele disse que o fazia sem ter tido contato nem com Lula nem com
Marta, reafirmando suas divergências com o PT.
Desta vez foi diferente. Além de ganhar para um indicado seu uma secretaria
do Ministério das Cidades, um Maluf radiante recebeu Lula e Haddad em sua casa,
destacando o “sacrifício” que o ex-presidente fizera indo até lá, apesar das
cautelas médicas devido à sua recuperação da cirurgia de câncer.
Pelo menos o conselho de evitar falar em público ajudou Lula a sair de cena
sem ter que justificar tal aliança.
A senadora Marta Suplicy, que aceitara de bom grado o apoio envergonhado de
Maluf em 2004, hoje, rejeitada por ser uma alternativa política “velha”, de
acordo com Lula, diz que a aliança com Maluf é “pesadelo” maior do que a com o
prefeito Gilberto Kassab, que ela também rejeitara.
O maior problema, porém, para a candidatura petista é a reação da candidata a
vice Luiza Erundina, que de incomodada com o pragmatismo petista, mas engolindo
a seco a aliança, passou a rejeitá-la publicamente, convencida de que ela não
será apenas uma união política “para constar”, diante da pose de Lula carrancudo
com Maluf sorridente, tendo o “rapaz esforçado” Fernando Haddad no centro.
O acordo político com Maluf conseguiu ofuscar a boa notícia que a nova
pesquisa Datafolha trouxe para a campanha petista.
Ter quase triplicado o apoio depois de algumas aparições ao lado de Lula e da
presidente Dilma na televisão indicava que Haddad pode ter a esperança de vir a
ser adotado pelo eleitorado petista conforme a campanha progredir, o que lhe
daria um patamar mínimo de 30% dos votos para competir com o tucano José
Serra.
Mas aliança tão formal e explícita com o grupo de Maluf está reforçando as
críticas do grupo de Marta Suplicy dentro do PT e abriu uma divergência séria no
PSB, que pelo visto terá que buscar outro candidato a vice para Haddad.
A ex-prefeita Luiza Erundina não parece ser do tipo que abre mão de suas
convicções, mesmo que sejam ultrapassadas como o socialismo que ainda prega.
Sua presença na chapa petista levava a candidatura Haddad mais para a
esquerda do que seria desejável numa capital que tem a tradição de votar ao
centro, quando não à direita.
O próximo ataque especulativo de Lula será em cima do PMDB se a candidatura
do deputado federal Gabriel Chalita permanecer estacionada abaixo dos dois
dígitos e menor do que a de Haddad.
O PMDB queria usar a disputa paulistana para vender caro seu apoio ao PT num
segundo turno, ou até mesmo ter Chalita como o candidato oficial num segundo
turno contra Serra.
Tudo para neutralizar o ataque que o PSB vem orquestrando, com o objetivo de
tomar o seu lugar como principal partido da base aliada, abrindo caminho para o
governador Eduardo Campos ser o vice de Dilma em 2014.
Ou, conforme os ventos da economia, surgir como uma alternativa ao próprio
PT.
O maior receio do PMDB é que, após a eleição, o PSB se una ao PSD de Kassab
para formar o maior partido no Congresso.
Isso só não acontecerá, aliás, se o tucano José Serra vencer a eleição
paulistana, o que coloca mais um pouco de incoerência nessa armação partidária
onde ninguém é de ninguém e todo mundo é de todo mundo, dependendo da
ocasião.
O PSD de Kassab iria para a aliança de Haddad se Serra não fosse o candidato
tucano, e Maluf iria para a base serrista se o PSDB aceitasse pagar o alto preço
que o PT pagou.
Esse imbróglio paulistano não é, no entanto, o único empecilho à aliança do
PT com o PSB, que está se organizando nacionalmente para se colocar como
protagonista na cena política em 2014.
Assim como a disputa pela prefeitura em São Paulo está intimamente ligada à
sucessão presidencial de 2014, com os dois partidos querendo fortalecer suas
posições no maior colégio eleitoral do país, algumas outras capitais também
definem agora disputas políticas que serão fundamentais para a campanha à
reeleição da presidente Dilma e para o PSDB.
Em Fortaleza e Recife, PT e PSB não conseguiram se entender até o momento, e
tudo indica que sairão separados na disputa regional.
Em Salvador, ACM Neto, do DEM, com o apoio do PSDB, pode fazer ressurgir a
força carlista na capital baiana.
Em Manaus, uma aliança entre Amazonino Mendes e Arthur Virgílio pode dar ao
ex-senador tucano as condições políticas para disputar a prefeitura de Manaus, o
que está preocupando a base aliada governista, à frente o ex-governador Eduardo
Braga.
Líder do governo no Senado em substituição ao eterno líder de qualquer
governo Romero Jucá, Braga vem sofrendo ataques do grupo de senadores como
Sarney, Calheiros e o próprio Jucá, que aparentemente a presidente Dilma quer
ver fora do centro de decisões.
Se tiver que concorrer a prefeito para unir a base governista contra a
oposição, Braga corre o risco de perder o cargo no Senado, embora considere que
pode acumular a candidatura com a liderança do governo.
Além do jogo de poder visando à eleição presidencial, há ainda em disputa as
presidências da Câmara e do Senado.
O grupo do senador Sarney quer manter o controle do Senado mesmo depois que
ele sair, e dois nomes aparecem na disputa no PMDB, a maior bancada: Edison
Lobão e Renan Calheiros, o que aparentemente não agrada a Dilma, que gostaria de
um nome novo de sua confiança.
Na Câmara, a vez seria do PMDB, mas o candidato preferencial do partido, o
líder Henrique Eduardo Alves, desgastou-se com a presidente Dilma.
Um eventual acordo em São Paulo pode colocar em discussão a sucessão na
Câmara, e o vice-presidente Michel Temer deverá ser o fiador.
Como se vê, há muito mais do que política municipal em disputa nas próximas
eleições.
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