Por Dora Kramer - O Estado de S.Paulo
De um lado, a transferência - "por exposição junto à criminalidade" - do juiz
Paulo Augusto Moreira Lima da 11.ª Vara Federal em Goiás para instância distante
do processo.
Moreira Lima foi o responsável pela decretação da prisão de Carlos Cachoeira,
pela autorização à Polícia Federal para interceptar telefonemas de suspeitos de
integrar a quadrilha e pediu afastamento devido a ameaças diretas e indiretas a
si e sua família.
A procuradora Léia Batista, que atua no caso pelo Ministério Público de
Goiás, também se sente ameaçada e pediu ao Conselho Nacional de Justiça que tome
providências para garantir-lhe a segurança.
De outro lado, as decisões do juiz Tourinho Neto, do Tribunal Regional
Federal da 1.ª Região (Distrito Federal e Goiás, entre outros Estados), que
provavelmente têm fundamentação jurídica não obstante deem margem a
questionamentos por parte de seus próprios pares.
Tourinho Neto tem sido generoso com a defesa de Cachoeira: determinou
cancelamento de depoimento do réu na Justiça, deu voto como relator a favor da
ilicitude das escutas da PF e decretou a libertação do acusado que só continuou
preso por força de mandado decorrente de outro inquérito policial.
No meio disso, uma CPI bamba, perdida em minúsculas picuinhas de natureza
partidária e, se não se cuidar, em via de entrar para o rol dos suspeitos.
Por ação, omissão ou interpretação condescendente sobre a higidez do Estado
de direito, se acumulam sinais de que o bando pode ser bem-sucedido nas
investidas para obstruir a ação da Justiça e celebrar contente a impunidade no
final.
Evidencia-se também o caráter mafioso da organização criminosa alvo de três
inquéritos policiais, um processo judicial em curso e uma comissão parlamentar
de inquérito composta por deputados e senadores.
Por que falar em máfia? Porque é do que se trata: empresa de fins criminosos
que busca dar feição legal aos negócios mediante infiltração no Estado e
cooptação de agentes públicos e privados. Movimenta-se com desenvoltura nos
subterrâneos das instituições e usa de violência.
Nos contornos até agora conhecidos da rede montada por Carlos Augusto de
Almeida Ramos, cuja qualificação como mero "contraventor" soa amena, faltava o
fator violência.
Não falta mais. O juiz Moreira Lima, no ofício em que denuncia as pressões à
presidência do Tribunal Regional Federal da 1.ª Região, fala em "homicídios"
cometidos pela quadrilha por ele investigada.
A própria existência dessas ameaças remete ao caso da juíza Patrícia Acioli,
assassinada por sua atuação em processos envolvendo policiais integrantes de
milícias no Rio de Janeiro.
Evidente, pois, que a CPI que investiga o esquema Cachoeira e suas
ramificações está diante de algo grande.
Tão grande que a comissão só tem um caminho: suspender as tentativas de
proteger esse ou aquele grupo e retomar os trabalhos na próxima semana com a
seriedade, compreendendo o que se passa debaixo de seu nariz.
Ou faz isso e prossegue nas investigações para valer apesar dos pesares que
porventura venham a pesar sobre parlamentares, governadores, prefeitos,
empresários e quem mais esteja envolvido, ou a comissão de inquérito terá sido
cúmplice.
Qualquer recuo a partir de agora pode significar o acobertamento de ações do
crime organizado dentro do Congresso Nacional e uma gravíssima agressão às
instituições.
O que está em jogo é a autoridade do Estado, desafiada quando funcionários
públicos são ameaçados no exercício de quaisquer funções, mais ainda se estas
dizem respeito a apuração de crimes contra o poder público e nas entranhas
dele.
Não é o juiz quem tem de se afastar em nome de sua segurança, mas o Estado
que precisa lhe garantir a vida, prender os autores das ameaças e assegurar
condições para o desbaratamento dessa máfia.
Qualquer coisa diferente disso equivale a transferir aos bandidos um poder de
decisão que não lhes pertence e pôr de antemão o juiz (ou juíza) substituto sob
suspeita ou risco de morte.
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