Por José Roberto de Toledo - O Estado de
S.Paulo
Boa dose das decisões políticas é gestada no fígado. Para muitos eleitores,
mais grave do que não eleger seu candidato preferido é ver um político que odeia
ganhar a eleição. Votam em adversário "menos pior" para evitar mal maior. A
decisão sugere pragmatismo, mas é difícil precisar onde termina o raciocínio e
começa a racionalização - a justificativa lógica construída após o ato feito. O
voto útil nasce pingando bile.
É mais comum do que gostamos de admitir. Basta lembrar das tardes de domingo.
Quantas vezes cada um de nós ouviu um grito de prazer escapar da janela do
vizinho - quiçá da nossa - quando o time rival toma um gol? Imperativos fazem
coro com expletivos e saturam o ar de animosidade. O futebol se alimenta de
paixões devotas e ódios consagrados. Com a política é igual. Saem as janelas e
estádios, entram as redes sociais e blogs.
Por isso não convém menosprezar o poder do ódio nas eleições. De tão
decisivo, tornou-se presença obrigatória nas pesquisas de intenção de voto. Foi
revestido de circunstância para soar menos cru. A pergunta clássica nos
questionários é: "Em quais destes candidatos você não votaria de jeito nenhum?".
A causa subjacente às respostas é ojeriza, repulsa, antipatia, mas pode chamar
de rejeição.
É muito difícil um candidato ganhar as graças do eleitorado. Mais difícil do
que isso, só livrar-se da bile eleitoral. Uma vez impregnada, não sai nem
lavando. A rejeição é persistente como um pernilongo. Podemos não lembrar por
que sufragamos este, mas não esquecemos a razão pela qual não votamos naquele. O
eleitor amadurece e envelhece abraçado ao seu rancor (apud João Antônio).
A rejeição pode inviabilizar políticos famosos e populares. Em São Paulo há
casos notórios. O mais recente é de Marta Suplicy.
A petista começa quase toda eleição que disputa como favorita. Foi assim nas
brigas pela Prefeitura em 2000 e 2008, e na corrida por uma das duas vagas no
Senado em 2010. Marta sai na frente, mas raramente termina em primeiro lugar.
Elegeu-se senadora atrás de Aloysio Nunes (PSDB), e perdeu no segundo turno para
José Serra (PSDB) em 2004 e para Gilberto Kassab (então no DEM) em 2008. Culpa
da rejeição.
Antes dela, houve Paulo Maluf (PP). Até desencantar nos pleitos majoritários,
Maluf tentou ser prefeito, presidente, governador. Por mais eleitores que
tivesse, sempre era barrado pela rejeição dos demais. Em 1992, quando conseguiu
vencer um segundo turno, pareceu ter iniciado um novo ciclo. Mas a maré não
durou e o ex-prefeito nunca mais ganhou um mata-mata. A rejeição voltou
dobrada.
Como a bile eleitoral vai influir na disputa para prefeito de São Paulo? A
pesquisa Ibope mostra que, por ora, Serra é o mais rejeitado pelos eleitores de
7 dos outros 9 pré-candidatos. Ao menos metade dos eleitores de Celso Russomanno
(PRB), Paulinho da Força (PDT), Netinho (PC do B), Gabriel Chalita (PMDB) e até
de Soninha (PPS) diz que não votaria em Serra. Quando elegeu-se prefeito de São
Paulo, em 2004, Serra tinha apenas 15% de rejeição (Datafolha). Hoje, segundo o
Ibope, 35% dos paulistanos dizem que não votariam no tucano de jeito nenhum.
Por causa da rejeição, Serra está mais perto de seu teto de votos do que seus
adversários diretos. Teria menos chance que os demais de ganhar novos eleitores
caso um dos seus adversários desistisse. Esse é o risco de largar muito na
frente quando se é tão conhecido quanto ele e a rejeição é alta: há mais espaço
para cair do que para subir.
As próximas pesquisas mostrarão se a trajetória do tucano será igual à de
2004, quando largou no patamar em que está hoje, subiu e terminou o primeiro
turno com 10 pontos a mais do que quando começou a campanha, ou se repetirá
Geraldo Alckmin (PSDB) em 2008, que também começou com cerca de 30% de intenção
de voto, foi caindo, caindo e terminou quase com metade do cacife inicial. Tudo
vai depender dos adversários com menos rejeição, se eles conseguirão sair do
anonimato.
Para Fernando Haddad (PT), a única vantagem de ser tão desconhecido é que a
maioria dos eleitores de outros candidatos não sabe quem ele é e, por isso, não
pode rejeitá-lo. Mas essa taxa vai crescer à medida que mais gente descobrir que
Haddad é o candidato do PT. Ele terá mais facilidade de assimilar a rejeição do
partido do que ganhar a confiança de seus eleitores. Conquistar o voto depende
de competência, o ódio vem por inércia.
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