terça-feira, 1 de novembro de 2016

EDUCAÇÃO: Federal de Pelotas investiga 27 alunos de Medicina por fraude em cotas

OGLOBO.COM.BR
POR JÉSSICA LAURITZEN

Estudantes devem perder suas vagas na instituição

Prédio da faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pelotas (Ufpel): comissão investiga fraude nas autodeclarações de alunos - Divulgação

RIO- A Universidade Federal de Pelotas (UFPel), no Rio Grande do Sul, está investigando 27 estudantes da Faculdade de Medicina denunciados por fraude no sistema de cotas para negros. Uma comissão formada por professores, alunos e militantes do movimento negro está, desde semana passada, levantando informações e entrevistando os acusados. Três bancadas, cada uma responsável por nove casos, vão emitir um parecer individual sobre os denunciados até o início da próxima semana. Segundo a médica Denise Petrucci Gigante, vice-reitora da Federal, “muito provavelmente esses alunos (que cursam entre o 3° e o 6° período) perderão suas vagas”.
Inicialmente, as suspeitas de fraude foram levadas pelo coletivo Setorial de Negros e Negras, ligado à UFPel, ao Ministério Público Federal (MPF), no mês passado. O órgão, então, solicitou à universidade a abertura de uma investigação interna. Em seu despacho, o MPF destacou que os critérios fenotípicos (características físicas observáveis) devem ser levados em consideração na distribuição das vagas, acima de argumentos de ascendência de raça colocado pelos candidatos.
— Na parte cível, estamos acompanhando os procedimentos feitos na universidade para identificar o que eles chamam de “afroconvenientes”. Tivemos uma reunião com o coordenador da comissão e com a chefe de ações afirmativas, na quinta-feira. Várias questões devem ser analisadas porque mesmo o perfil fenotípico pode ser subjetivo. O acompanhamento direto da comissão antes mesmo da matrícula do aluno, para validar as autodeclarações, só começou a vigorar no segundo semestre deste ano — frisa o procurador Max dos Passos Palombo, do MPF no Município de Pelotas.
DÚVIDAS NOS ITENS COR E RAÇA
A Faculdade de Medicina da UFPel tem, hoje, 550 alunos, sendo que uma média de 90 ingressam a cada ano. Metade das vagas é destinada a negros, pardos ou indígenas (25%) e pessoas de baixa renda (25%). “Inúmeras denúncias têm sido trazidas à Setorial pelos próprios estudantes universitários da UFPel. Em um breve levantamento feito pela Setorial e outros segmentos do movimento estudantil foi constatado que as matrículas efetuadas do ano de 2013 até o primeiro semestre de 2016, nas modalidades de cotas L2 e L4 , foram ocupadas, praticamente na integralidade, por pessoas que não se enquadram no perfil estabelecido pela legislação, apesar de se autodeclararem como tal via documento assinado”, destaca o coletivo em uma publicação no Facebook. A cota L2 integra candidatos que cursaram todo o ensino médio em escolas públicas, com renda familiar bruta per capita igual ou inferior a 1,5 salário mínimo, autodeclarados pretos, pardos ou indígenas. Já a L4 abrange candidatos que cursaram todo o ensino médio em escolas públicas, independente da renda, autodeclarados pretos, pardos ou indígenas.
A Lei das Cotas nas Universidades completou quatro anos em agosto. Mesmo assim, o itens cor e raça ainda geram dúvidas, questionamentos e polêmicas, especialmente quando se trata da definição de “pardo”. O professor Rogério Reus Gonçalves da Rosa, representante da Coordenação de Ações Afirmativas e Políticas Estudantis (Cape) da universidade, lidera a comissão investigativa e reforça a ideia de que ascendência negra não é suficiente para a autoafirmação.
— Não basta a ascendência e nem o fenótipo, apesar de ter grande ênfase. Nas investigações, o histórico de discriminação do aluno é muito levado em consideração. A maioria dos que estão sendo investigados têm fenótipo marcadamente branco. A dificuldade de julgamento da categoria pardo é um grande problema para as universidades e também para o próprio sistema judiciário — afirma Rosa.
Ele revela que outro caso, também envolvendo um aluno do curso de Medicina, já tramita na Justiça:
— Um estudante autodeclarado pardo fez a matrícula no segundo semestre deste ano, quando a Comissão já estava instaurada, e foi denunciado três vezes nas avaliações. Mas recorreu e foi integrado como aluno. A UFPel não concorda, mas estamos aguardando a decisão final do juiz.
Para a vice-reitora Denise Petrucci Gigante, a ocupação das vagas por “falsos negros” fere a política de ações afirmativas, em vigor na UFPel há três anos.
— Como, até agosto desse ano, o único documento (comprobatório para as cotas) era a autodeclaração, veio a recomendação de que a comissão analisasse os casos a fundo. Em algumas situações, enquanto determinados alunos usavam essa autodeclaração para se afirmarem negros, outros registros foram identificados na universidade mostrando que havia uma declaração de brancos. Como precisamos analisar isso junto aos órgãos superiores, estamos aguardando o resultado do trabalho da comissão para recorrermos. Muito provavelmente esses alunos perderão suas vagas — diz a gestora.
No dia 24 de outubro, o frei David Santos, coordenador da ONG Educafro, promoveu um seminário na universidade sobre sucessos e fraudes nas ações afirmativas nas instituições de ensino superior.
— A reitoria aceitou abrir um edital para reocupar estas vagas direcionando-as a jovens negros e negras de todo Brasil que iniciaram uma Faculdade de Medicina e tiveram que abandoná-las por problemas financeiros. Com certeza os pretendentes terão suas grades e históricos acadêmicos avaliados. A UFPel será a pioneira do Brasil em fazer o trabalho completo. Não basta tirar os fraudadores, é necessário reparar os danos causados por eles — frisa.
Frei David compara a “limpa” na universidade à Operação Lava-Jato, e defende pena efetiva para os condenados:
— A Lava-Jato moraliza empresas e indústrias. Uma política pública não pode ser pervertida por aqueles que escolhem o caminho fácil da fraude. Como os políticos, os corruptos das universidades devem ir para a cadeia.
Denise acredita que a apuração deve continuar em cursos onde há maior disputa e, por consequência, indicativos de fraude, como o de Odontologia.
— O projeto que imaginávamos não estava acontecendo por atos de falsidade ideológica e falso testemunho desses candidatos. A faculdade de Medicina chamou a atenção por ter o maior número de estudantes. Mas há relatos sobre fraude também em outros cursos da área. A comissão está sendo bastante cautelosa ao analisar caso a caso porque não podemos culpar sem dar o direito de defesa — acrescenta.
Por meio de sua assessoria de imprensa, a Associação dos Docentes da Universidade Federal de Pelotas (ADUFPel) declarou apoio e ofereceu ajuda nas investigações: “A ADUFPel-SSind manifesta apoio à denúncia realizada, entendendo que a política de ações afirmativas é um mecanismo de reparação às populações negras e indígenas, que no curso de suas vidas seguem sofrendo com a discriminação em virtude de fenótipo. A equiparação no acesso ao ensino superior é necessária, para que os bancos acadêmicos não permaneçam ocupados apenas pelos privilegiados da sociedade”.

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