terça-feira, 26 de novembro de 2013

COMENTÁRIO: O Congresso não chancelou 64

Por Pedro Simon* - JB.COM.BR

“Cada geração tem o direito de reescrever a história, defende o acadêmico francês Pierre Nora, uma referência para os historiadores e o mundo acadêmico. A história, na verdade, está sempre sendo reescrita. Fatos do passado estão permanentemente sob o exame do presente e podem ter sua compreensão alterada. É o que acontece, por exemplo, com a Revolução Francesa, objeto atualmente de uma forte polêmica revisionista que contrapõe historiadores de diferentes tendências.
É natural que versões em torno de acontecimentos do passado sejam questionadas. Ainda mais quando atendem à conveniência de um golpe de estado, como o de 1964 no Brasil, que depôs o presidente da república João Goulart e inaugurou uma série de ditaduras alinhadas com os Estados Unidos na América Latina. Esconder das futuras gerações a verdade sobre o seu passado representa mais do que um erro, significa persistir em um crime contra a consciência da Nação.
Foi com o objetivo de restaurar a verdade histórica que o Congresso Nacional, em 20 de novembro passado, votou pela anulação da sessão ilegal da madrugada de 02 de abril de 1964. Naquela noite dramática, o senador Aldo de Moura Andrade, presidente do Congresso, convocou a Casa para uma falsa comunicação. Disse que o presidente da República estava em lugar incerto e não sabido e decretou vaga a presidência da República. Ignorou o ofício do ministro-chefe da Casa Civil Darcy Ribeiro dirigido ao Congresso. Lido formalmente na ocasião, o documento informava que Jango estava, naquele momento, em Porto Alegre, na residência oficial do comandante legalista do IIIº Exército, general Ladário Telles. Eu estava presente nessa reunião, juntamente com outros líderes, entre eles Leonel Brizola. O deputado Tancredo Neves, entre outros, se insurgiu contra a inverdade, bradando do plenário que Goulart estava em território nacional. Moura Andrade não colocou o assunto em votação, desconheceu os apelos e nomeou presidente da República, em substituição a Jango, o deputado Ranieri Mazzilli, que presidia a Câmara Federal. Dias depois, uma junta militar assumiu o poder e a noite da ditadura cobriu o Brasil por 21 anos.
Em primeiro lugar, conforme o Regimento Comum, uma sessão do Congresso jamais poderia ser convocada apenas para uma comunicação,como o fez o seu presidente. Os anais registram que o deputado Sérgio Magalhães levantou questão de ordem com essa observação, mas também foi ignorado. Aquela sessão não atendeu aos princípios da legalidade, mas aversão que permaneceu foi que o golpe militar teve a anuência do Congresso Nacional.
Esses são os fatos. Quantos brasileiros conhecem realmente o que aconteceu naquela trágica madrugada? Como continuar mantendo uma fachada de legalidade a um golpe monstruoso, que impediu reformas progressistas e inaugurou um tempo de perseguições, cassações, tortura,desaparecimentos e assassinatos de opositores? Por outro lado, o apoio logístico e financeiro dos Estados Unidos aos golpistas, durante muito tempo negado, foi admitido mais tarde pelo próprio embaixador Lincoln Gordon em suas memórias. É mais um exemplo de que as correções na história sempre são oportunas quando se trata de recuperar a verdade.
A sessão do Congresso foi inconstitucional. As tropas rebeladas estavam em marcha, tanques e soldados começavam a ocupar as ruas e uma frota naval norte-americana, com sua tradição de intervenções, já tinha cruzado a linha do Equador navegando em direção à costa brasileira.Não é mais possível ignorar os fatos e, em lugar da verdade histórica acatar,ainda hoje, a versão que convinha ao poder militar e seus apoiadores.
* Pedro Simon é senador pelo PMDB-RS.

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