Da CONJUR
A audiência pública marcada para o próximo dia 20 pelo Conselho Nacional de
Justiça, que vai discutir a cessão de procuradores federais para trabalhar como
assessores jurídicos em gabinetes de juízes, desembargadores e ministros, está
ganhando proporções que não eram esperadas nem mesmo pela seccional fluminense
da Ordem dos Advogados do Brasil, que começou o debate sobre a questão.
Especula-se que a mineradora Vale compareça à audiênca para a qual foram
convidados o Conselho Federal da OAB, a Procuradoria-Geral da República, a
Advocacia-Geral da União, a Associação Nacional de Procuradores da Fazenda e o
Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional. O Instituto dos
Advogados do Brasil já confirmou presença e o Centro de Estudos das Sociedades
de Advogados (Cesa) deverá também comparecer.
A mineradora tem interesse particular em participar do encontro. Execução
fiscal de cerca de R$ 35 bilhões a que ela responde na Justiça Federal
fluminense passou pelas mãos da procuradora da Fazenda Nacional no Rio
Patrícia de Seixas Lessa em recurso julgado recentemente pelo
Tribunal Regional Federal da 2ª Região — clique aqui para
saber mais. Um mês antes de a corte apreciar o pedido, Patrícia foi nomeada
assessora no gabinete do juiz federal convocado Theophilo Antonio Miguel Filho,
relator do caso. Ela é a única procuradora da Fazenda Nacional cedida à corte.
Teophilo negou a suspensão da cobrança enquanto tramita ação cautelar da
empresa.
O tribunal é o alvo do Procedimento
de Controle Administrativo no CNJ de autoria da OAB-RJ, que afirma que a
cessão de procuradores vai contra a paridade de armas. É nesse processo,
relatado pelo conselheiro José Lúcio Munhoz, que o CNJ convoca a audiência
pública para o dia 20.
A procuradora é conhecida por integrar o pelotão de frente da PGFN que
defende a tese de que o lucro de empresas no exterior coligadas ou subsidiárias
de empresas brasileiras deve ser tributado integralmente, mesmo no caso
de resultado positivo da equivalência patrimonial decorrente da variação cambial
do valor investido nessas empresas. O assunto é o mesmo questionado na execução
contra a Vale. Em maio, o ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal,
deferiu liminar que garantiu à mineradora não ter de depositar os R$ 35 bilhões
exigidos pelo Fisco pelo menos por enquanto.
Patrícia não nega nem confirma ter atuado no processo como procuradora,
alegando não poder conceder entrevistas. No entanto, em defesa apresentada no
Procedimento de Controle Administrativo da OAB-RJ contra o TRF-2, à qual a
ConJur teve acesso, a procuradora afirma que sua atuação como
assessora no tribunal não tem qualquer relação com sua atuação como
procuradora.
“Esta servidora pública federal foi convidada pelo órgão cessionário (TRF-2),
em razão, objetivamente, de sua especial qualificação técnica, para ocupar o
cargo de assessor judiciário”, diz ela em defesa enviada ao CNJ. O documento
reforça que, como assessora judiciária, a servidora passa a estar subordinada
exclusivamente aos magistrados do tribunal, estando afastada da
Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e licenciada do quadro de inscritos da
OAB-RJ.
No documento, Patrícia afirma ainda que, como assessora, não tem poder para
interferir em casos do gabinete, “posto que a atividade jurisdicional é
reservada exclusivamente ao magistrado, cabendo a este o poder de decidir as
demandas judiciais”. Ela diz também que, antes de ser nomeada procuradora da
Fazenda, militou como advogada privada, o que mostraria sua capacidade de atuar
em diferentes posições na Justiça.
Subprocurador da OAB-RJ, o advogado Guilherme Peres ressalva
que o Procedimento de Controle Administrativo em que a entidade questiona a
atuação de procuradores da Fazenda no TRF-2 não tem qualquer cunho pessoal nem
faz qualquer ataque a Patrícia. “É uma questão de ideologia de procuração. A
pessoa que foi formada na Procuradoria e que vai para o tribunal não vai
conseguir ser neutra na análise”, diz.
Ele se diz surpreso com a proporção dada ao caso pelo CNJ. “Estávamos falando
apenas da nossa área, o TRF-2, mas com a manifestação da defesa no processo,
falando que isso é feito também no Supremo Tribunal Federal e no Superior
Tribunal de Justiça, a questão passou a ter repercussão nacional”.
Em nota, o presidente do IAB, Fernando Fragoso, afirma ser "inconcebível um
juiz ser assessorado pelo representante dos interesses do Fisco, a ajudá-lo na
orientação e decisão em processos tributários". Segundo ele, "a Procuradoria
exerce os interesses da defesa da Fazenda Pública, naturalmente contrários aos
do contribuinte com quem contende em juízo”.
O presidente da OAB-RJ, Wadih Damous, concorda. Ele
classificou a cessão de servidores como "promiscuidade institucional", já que
desfalcam a administração pública em favor da magistratura. “São incompatíveis
as atuações de procuradores da Fazenda com as de assessoras de juízes”,
afirma.
A Vale e a Procuradoria-Regional da Fazenda Nacional na 2ª Região não se
manifestaram sobre o assunto.
Marcos
de Vasconcellos é repórter da revista Consultor Jurídico.
Comentários:
Postar um comentário