Por Merval Pereira, O Globo
A foto que incomodou Luiza Erundina e chocou o país, do ex-presidente Lula ao
lado de Paulo Maluf para fechar um acordo político de apoio ao candidato petista
à prefeitura paulistana (o nome dele pouco importa a essa altura), é simbólica
de um momento muito especial da infalibilidade política de Lula.
Sua obsessão pela vitória em São Paulo é tamanha que ele não está mais
evitando riscos de contaminação como o que está assumindo com o malufismo, certo
de que tudo pode para manter ou ampliar o seu poder político.
O choque causado por esse movimento radical pouco importará se a vitória vier
em outubro. Mas se sobrevier uma derrota, a foto nos jardins da mansão daquele
que não pode sair do país porque está na lista dos mais procurados pela Interpol
será a marca da decadência política de Lula, que estará então encerrando um
largo ciclo político em que foi considerado insuperável na estratégia
eleitoral.
Até o momento, as alianças políticas com Maluf eram feitas por baixo dos
panos, de maneira envergonhada, como a negociação em que o PSDB paulista fechava
um acordo com o PP em busca de seu 1m30s de tempo de propaganda eleitoral.
A própria Erundina disse, candidamente, que o que a incomodara foi o excesso
de exposição do acordo partidário.
Maluf, do seu ponto de vista, agiu com a esperteza que sempre o caracterizou,
mas com requintes de crueldade.
Ao exigir que Lula fosse à sua casa para selar o acordo, e chamar a imprensa
para registrar o momento glorioso para ele e infame para grande parte dos
petistas, ele estava se aproveitando da fragilidade momentânea do PT, que tem um
candidato desconhecido que precisa ser exposto ao eleitorado para tentar se
eleger.
Lula, como se esse fosse o último reduto eleitoral que lhe falta controlar,
está fazendo qualquer negócio para viabilizar a candidatura que inventou.
Já se entregara ao PSD do prefeito Gilberto Kassab, provocando um racha no PT
talvez tão grande quanto o de agora, e acabou levando uma rasteira que já
prenunciava que talvez o rei estivesse nu.
Agora, quem lhe deu a rasteira foi uma dupla irreconciliável, que Lula tentou
colocar no mesmo saco sem nem ao menos ter se dado ao trabalho de conversar
antes: Luiza Erundina, que um dia foi afastada do PT por ter aceitado um
ministério no governo de coalizão nacional de Itamar Franco, agora se afasta do
PT malufista.
E Maluf, que vinha minguando como força política, viu a possibilidade de
recuperar a importância estratégica em São Paulo no pouco mais de um minuto de
televisão que o PP detém por força de lei.
A sucessão de erros políticos que Lula parece vir cometendo nos últimos meses
— a escolha de Haddad, o encontro com Gilmar Mendes, a CPI do Cachoeira, o
acordo com Maluf — só será superada se acontecer o que hoje parece improvável,
uma vitória de Fernando Haddad.
No resto do país, o PT está submetendo os aliados a seus interesses
paulistas, fazendo acordos diversos para garantir em São Paulo uma aliança
viável.
A foto de Lula confraternizando com Maluf tem mais um aspecto terrível para a
biografia do ex-presidente: ela explicita uma maneira de fazer política que não
tem barreiras morais e contagiou toda a política partidária, deteriorando o que
já era podre.
As alianças políticas entre Lula, José Sarney, Fernando Collor e Maluf
colocam no mesmo barco políticos que já estiveram em posições antagônicas
fazendo a História do Brasil, e hoje fazem uma farsa histórica.
Em 1989, José Sarney era presidente da República depois de ter enfrentado
Paulo Maluf no PDS. Ante uma previsível vitória do grupo de Maluf derrotando o
de Mario Andreazza, Sarney rompeu com partido que presidia, ajudou a fundar a
Frente Liberal (PFL) e foi vice de chapa de Tancredo.
Na campanha presidencial da sucessão de Sarney, Lula disse o seguinte dos
hoje aliados Sarney e Maluf: “A Nova República é pior do que a velha, porque
antigamente era o militar que vinha na TV e falava, e hoje o militar não precisa
mais falar porque o Sarney fala pelos militares e os militares falam pelo
Sarney. Nós sabemos que antigamente se dizia que o Adhemar de Barros era ladrão,
que o Maluf era ladrão. Pois bem: Adhemar de Barros e Maluf poderiam ser ladrão
(sic), mas eles são trombadinhas perto do grande ladrão que é o governante da
Nova República, perto dos assaltos que se faz”.
Na mesma campanha, Collor não deixou por menos: chamou o então presidente
Sarney de “corrupto, incompetente e safado”.
Durante a campanha das Diretas Já ,Lula se referiu assim a Maluf: “O símbolo
da pouca-vergonha nacional está dizendo que quer ser presidente da República.
Daremos a nossa própria vida para impedir que Paulo Maluf seja presidente”.
Maluf e Collor tinham a mesma opinião sobre o PT até recentemente. Em 2005,
quando Maluf foi preso e Lula festejou, e recebeu a seguinte resposta: “(..) se
ele quiser realmente começar a prender os culpados comece por Brasília. Tenho
certeza de que o número de presos dá a volta no quarteirão, e a maioria é do
partido dele, do PT".
Já em 2006, em plena campanha presidencial marcada pelo mensalão, Collor
disse que foi vítima de um “golpe parlamentar”, do qual teriam participado José
Genoino e José Dirceu, “enterrados até o pescoço no maior assalto aos cofres
públicos já praticado nessa nação”.
E garantiu: “Quadrilha quem montou foi ele (Lula)”, citando ainda Luiz
Gushiken, Antonio Palocci, Paulo Okamotto, Duda Mendonça, Jorge Mattoso e Fábio
Luiz Lula da Silva, o filho do presidente.
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