Por Gilles Lapouge - O Estado de S.Paulo
Eis a esquerda no poder. Ou melhor, no poder, o Partido Socialista. O governo
que foi formado pelo presidente François Hollande e pelo primeiro-ministro
Jean-Marc Ayrault abrange, na sua quase totalidade, socialistas.
Enquanto Sarkozy selecionou nomes também em outros partidos para compor seu
governo, apropriando-se voluptuosamente de socialistas, Hollande abasteceu-se
quase unicamente no "viveiro" de seu partido. Seria essa uma garantia de uma
equipe homogênea, unida, voltada para um mesmo objetivo e dócil? Com certeza,
não.
O Partido Socialista é enorme. Todas as sensibilidades ali se cruzam. No caso
da Europa, por exemplo, embora a tendência seja a favor da integração, existem
oposições. O novo ministro das Relações Exteriores é Laurent Fabius. Ora, em
2005, Fabius foi o líder do grupo dentro do partido que exigiu votar "não" à
ratificação do tratado constitucional europeu.
Portanto, temos um "antieuropeu na pasta das Relações Exteriores. Devemos
concluir que o Partido Socialista tornou-se eurocético? Absolutamente. O novo
presidente e seu primeiro-ministro, há dois dias, dão declarações de lealdade à
União Europeia. O encontro de Hollande com a chanceler alemã, Angela Merkel, não
deixou a mínima dúvida sobre esse aspecto.
Se continuarmos a auscultar os novos ministros, observamos que a anomalia
identificada no caso de Fabius não é isolada. Ao lado de um ministro das
Relações Exteriores, há um "ministro delegado para Assuntos Europeus". Trata-se
de Bernard Cazeneuve, um homem talentoso. Em 2005, ele também defendeu o "não"
ao tratado constitucional europeu.
Estranho. Os dois futuros responsáveis pela diplomacia francesa, Laurent
Fabius, no Quai d'Orsay, e Cazeneuve, no Departamento de Assuntos Europeus,
foram políticos contrários ao tratado europeu. E não é tudo.
A ministra da Justiça, Christiane Taubira também batalhou em 2005 contra o
tratado. Assim como também o exuberante Arnaud Montebourg, atual ministro da
Recuperação Produtiva, que não só fez parte do grupo de inimigos do tratado
europeu, mas tem se declarado ruidosamente contra a globalização.
Face a esse nó de contradições, podemos responder que a linha da diplomacia
francesa será definida por Hollande e Ayrault. Fabius, Cazeneuve e outros
simplesmente ficarão encarregados de implementar essa política.
Por isso, avançamos em uma outra hipótese: em 2005, os defensores do "não",
que votaram contra o tratado, não eram hostis à Europa, mas a uma "determinada
Europa", uma Europa liberal, submetida à concorrência e ao mercado. De acordo
com eles, a integração europeia seria o triunfo do liberalismo econômico, que, a
seus olhos, era detestável.
Se essa análise estiver certa, então podemos imaginar que, dentro do Partido
Socialista e no centro do governo de Hollande e Ayrault, uma doutrina comum
reunirá os partidários do não, liderados por Fabius, aos europeus de Hollande: o
desejo de uma Europa menos submissa ao mercado, ao mundo financeiro e à
concorrência. De uma Europa que adicione às suas ambições econômicas um projeto
político e mesmo, como afirmam com ênfase alguns socialistas, "um projeto de
civilização".
TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO
* É CORRESPONDENTE EM PARIS
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