quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

HISTÓRIA: Comissão da Verdade - O relatório final

ESTADAO.COM.BR

A Comissão Nacional da Verdade entregou hoje à presidente Dilma Rousseff o relatório final de seu trabalho, realizado durante dois anos e sete meses. Criada por lei aprovada no Congresso em 2011e instalada em 2012, a comissão tinha como tarefa legal apurar e esclarecer casos de graves violações de direitos humanos praticadas entre 1946 e 1988.
As investigações focalizaram principalmente o período da ditadura militar, entre 1964 e 1988. O relatório final, dividido em três volumes, contém um detalhado painel das violações ocorridas nestes 25 anos, apresenta os principais locais onde ocorreram torturas e mortes, e também uma lista com nomes de pessoas que, a serviço do Estado, são apontadas como responsáveis diretos e indiretos pelos crimes. Dos 377 listados, cerca de 200 ainda estão vivos.
Em suas conclusões, a comissão recomenda ao Estado brasileiro que as pessoas apontadas sejam responsabilizadas juridicamente – do ponto de vista civil, criminal e administrativo. O texto afirma que elas não podem ser beneficiadas pela Lei n.º 6683, de 1979, mais conhecida como Lei da Anistia.
A recomendação – a única que não teve a unanimidade dos votos dos comissionados, numa lista de 29 – não propõe diretamente a revisão da lei de 1979. Mas afirma que o Brasil deveria se sujeitar à decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que em 2010 responsabilizou o País pelo desaparecimento de participantes da Guerrilha do Araguaia, na década de 1970.
Segundo a comissão, a sentença da corte deixou claro que “as disposições da Lei de Anistia de 1979 são manifestamente incompatíveis com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, carecem de efeitos jurídicos e não podem seguir representando um obstáculo para a investigação de graves violações de direitos humanos, nem para a identificação e punição dos responsáveis”.
Foi uma forma indireta de propor a revisão da lei.
As graves violações de direitos humanos investigadas pela comissão e que não seriam passíveis de anistia, pelas convenções internacionais, envolvem prisões sem base legal, a tortura e as mortes dela decorrentes, as violências sexuais, as execuções e as ocultações de cadáveres e desaparecimentos forçados. Praticadas de forma massiva e sistemática contra a população, essas violações tornam-se crime contra a humanidade.
O terceiro volume do relatório apresenta uma lista, com uma pequena biografia e o histórico das circunstâncias em que morreram, de 434 mortos entre 1946 e 1988. Dessa lista, continuam desaparecidos.
A comissão sugere que seja criado um órgão de governo para dar prosseguimento às buscas de seus restos mortais.
NÚMEROS DA COMISSÃO
434
total de mortos e desaparecidos listados
210
números de vítimas que continuam desaparecidas
1
do conjunto de desaparecidos foi localizado pela comissão
377
total de agentes de Estado apontados como responsáveis pelas graves violações

​ROLDÃO ARRUDA / São Paulo

O relatório da Comissão Nacional da Verdade reúne e condensa em grande parte outros levantamentos já feitos no País sobre graves violações de direitos humanos. Mas ele também apresenta novidades. A lista de mortos e desaparecidos, com os nomes de 434 pessoas, das quais 243 continuam desaparecidas, é a mais extensa já produzida por organismos oficiais. A Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos havia listado até agora 362 vítimas.
Uma das causas da diferença nos números é a mudança nos critérios de inclusão dos nomes. A pedido de familiares de mortos e desaparecidos, foram incluídas algumas vítimas da ditadura que não tinham ligações comprovadas com organizações de esquerda.
A lista de agentes de Estado apontados como autores de graves violações de direitos humanos na ditadura também é a maior já produzida. As listas anteriores, que começaram a ser produzidas na década de 1970, quando ainda circulavam de maneira clandestina no País, continham na média cerca de duzentos nomes. A da Comissão da Verdade chegou a 377.
Isso também está relacionado a mudanças de critérios. Além dos agentes de Estado que, segundo as investigações da comissão, seriam os autores diretos de crimes como tortura, sequestro, execução sumária e ocultação de cadáver, a lista inclui os seus superiores – numa escala de comando que chega à Presidência da República. A justificativa é que os crimes registrados em instalações militares e em locais clandestinos de tortura, como a Casa da Morte, em Petrópolis, na região serrana do Rio, faziam parte de uma política de Estado.
“Na ditadura militar, a repressão e a eliminação de opositores políticos se converteram em política de Estado, concebida e implementada a partir de decisões emanadas da presidência da República e dos ministérios militares”, diz o relatório.
O primeiro dos presidentes militares, o marechal Castelo Branco, não teve participação direta em casos torturas. Mas, segundo a comissão, ele é responsável do ponto de vista político e institucional, por ter tomado a decisão de criar o Serviço Nacional de Informações (SNI), para coordenar a ação repressiva do Estado brasileiro.
O general reformado Leônidas Pires Gonçalves, que chefiou o Ministério do Exército nos cinco anos do governo do presidente José Sarney e recentemente encabeçou uma manifestação de repúdio às ações da Comissão da Verdade, também está na lista. O texto lembra que ele chefiou o Estado-Maior do I Exército de 1974 a 1976, período em que “foi responsável pela chefia do Centro de Operações de Defesa Interna (CODI) e por ações no âmbito da Operação Radar, contra o Partido Comunista Brasileiro (PCB), e do episódio conhecido como Massacre da Lapa, contra a cúpula dirigente do Partido Comunista do Brasil (PC do B)”.
A mudança acabou ampliando também a lista de agentes de Estado não ligados às Forças Armadas. É o caso do delegado Romeu Tuma. Até sua morte, em 2010, o delegado conseguiu manter seu nome desvinculado das acusações de graves violações de direitos humanos na ditadura. O relatório lembra, no entanto, que ele atuava na sede Departamento de Ordem Política e Social de São Paulo (DOPS/SP) num dos períodos em que aquela instituição mantinha algumas das equipes mais atuantes do País na repressão política, no final da década de 1960 e início dos anos 70. Mais tarde, entre 1977 e 1982, ele foi diretor do órgão. Saiu para assumir superintendência da Polícia Federal em São Paulo.
Chama a atenção na lista a presença marcante de médicos que atuavam nos institutos médicos legais. Segundo as acusações da comissão, eles fraudavam laudos para dar cobertura às ações ilegais de agentes da repressão. Um dos nomes listados é o de Harry Shibata, que assinou o laudo do jornalista Vladimir Herzog, em 1975, em São Paulo, corroborando a versão de suicídio.
Presidente Dilma Roussef durante posse de integrantes da Comissão Nacional da Verdade em Brasília
ANDRÉ DUSEK / ESTADÃO – 16.05.2012
De quase quarenta comissões da verdade já instaladas ao redor do mundo, a brasileira é uma das poucas que, além de dar voz às vítimas e descrever detalhadamente os casos de graves violações de direitos humanos, aponta os nomes das pessoas que seriam juridicamente responsáveis. Um exemplo semelhante ocorreu na África do Sul, na apuração dos crimes cometidos durante o regime de apartheid.
Outra diferença do relatório final é a ênfase dada a questões como violência sexual, violência de gênero e violência contra crianças e adolescentes na ditadura. Tratados de forma quase marginal em relatórios anteriores, esses temas ganharam um longo capítulo à parte no relatório. O grupo de trabalho que investigou essas questões ouviu 41 crianças e adolescentes que foram sequestradas, estiveram em prisões com os pais, ou foram submetidas diretamente a torturas.
No conjunto, desde sua instalação, há 31 meses, a comissão ouviu 1.116 depoimentos.
O relatório final da Comissão Nacional da Verdade está apoiado, da primeira à última página, em dois eixos principais. O primeiro é de que as graves violações de direitos humanos não estavam limitadas aos chamados porões da ditadura e a alguns agentes de Estado descontrolados. A tortura, as execuções sumárias, os sequestros, os desaparecimentos forçados e outras violações ocorridas no período faziam parte de uma política de Estado, segundo as seis personalidades que assinam o documento.
"As ações que resultaram em graves violações de direitos humanos estiveram sempre sob monitoramento e controle por parte dos dirigentes máximos do regime militar", diz o texto.
O segundo eixo reúne as convenções internacionais sobre direitos humanos das quais o Brasil faz parte. Elas são lembradas de maneira recorrente, em quase todos os 18 capítulos do primeiro volume, para sustentar a argumentação de que os agentes de Estado apontados como responsáveis pelas violações não podem ser anistiados.
Os comissionados citam convenções e pactos internacionais contra o desaparecimento forçado, as violências sexuais, a tortura, um vasto conjunto de direitos, aos quais os países se submetem e aceitam ser monitorados de fora. "Desde o início do processo de transição democrática, o Estado brasileiro se vinculou formalmente aos principais tratados de direitos humanos dos sistema da ONU e da OEA", lembra o texto.
O rol de 29 recomendações do relatório final da Comissão Nacional da Verdade começa mirando as Forças Armadas - que estiveram à frente do golpe de 1964 e detiveram o poder nos 25 anos seguintes. A comissão recomenda o "reconhecimento, pelas Forças Armadas, de sua responsabilidade institucional pela ocorrência de graves violações de direitos humanos durante a ditadura militar (1964 a 1985)".
As cinco recomendações seguintes também envolvem, diretamente ou indiretamente, as Forças Armadas.
Tratam, entre coisas de mudança no currículo das escolas de formação militar. O objetivo é valorizar mais os princípios relacionados a direitos humanos. Uma outra recomendação é para que se proíba qualquer evento oficial de comemoração do golpe militar de 1964.
A comissão investigou separadamente algumas das denúncias e suspeitas mais emblemáticas e conhecidas do período da ditadura, como as que envolvem as mortes dos ex-presidentes Juscelino
Kubitschek e João Goulart.
No caso de Juscelino, os peritos da comissão chegaram à conclusão de que ele não foi assassinado.
Em relação a Goulart, disseram não haver prova conclusiva de que foi envenenado, como
a família suspeita.
Automóvel acidentado de Juscelino Kubitschek, nas proximidades de Resende no Rio de Janeiro 
ESTADÃO ACERVO / 24.08.1976

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