terça-feira, 16 de dezembro de 2014

COMENTÁRIO: A responsabilidade fiscal subiu no telhado

Por Gil Castello Branco - O Globo
Do Blog do NOBLAT

Apesar de a lei já ter sido amenizada várias vezes em relação à versão original, os políticos continuam aprontando
 O filósofo Marco Túlio Cícero disse, 55 anos antes de Cristo, que “o orçamento nacional deve ser equilibrado e as dívidas públicas devem ser reduzidas...” O problema é que o orçamento e o ciclo eleitoral têm afinidades. Após eleita, a maioria dos presidentes, governadores e prefeitos prega a austeridade. No último ano do mandato, porém, rapa os cofres.
A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) foi criada em 2000 para dar transparência ao gasto público e impedir o vale-tudo no fim da festa. Com frequência, políticos tentando a reeleição “quebravam” as prefeituras, governos e bancos estaduais, e a conta caía no colo dos sucessores ou da Viúva, a União. Muitos pagavam pela irresponsabilidade de alguns.
Assim, a LRF determinou limites para a gastança, tendo como referência a Receita Corrente Líquida (RCL), que é a soma das receitas tributárias, com algumas deduções legais. Há obrigações relacionadas às publicações de relatórios de gestão, às prestações de contas e à comprovação da regularidade quanto ao pagamento de tributos e empréstimos. Ainda existem os limites para as despesas com pessoal, endividamento e compromissos que passam de uma gestão para outra.
Nos últimos dois quadrimestres dos mandatos, por exemplo, os gestores são proibidos de contrair despesas que não possam ser quitadas integralmente dentro do exercício, ou que tenham parcelas a serem pagas no ano seguinte, sem que haja disponibilidade de caixa suficiente. As punições, em tese, são duras. Existem 11 situações de desrespeito à LRF classificadas como transgressões fiscais e 64 situações que levam a punições penais, entre ações e omissões.
Apesar de a lei já ter sido amenizada várias vezes em relação à versão original, os políticos continuam aprontando. Nos estados, 17 governadores estão na “zona de risco” das despesas com pessoal e encargos, que são limitadas, no Executivo, a 49% da RCL.
O primeiro alerta já foi acionado para dez unidades da Federação onde o gasto superou 44,1% da RCL (CE, PE, AP, RO, PA, RS, SC, DF, GO e MT). Outros três estados (PR, RN e TO) estão no “limite prudencial” (46,5% da RCL). Em outros quatro estados foi ultrapassado o limite máximo estabelecido. O pior deles é o Piauí (50%), seguido de Alagoas (49,8%), Paraíba e Sergipe (49,6%).
O governo do Piauí, inclusive, foi obrigado pelo Tribunal de Contas do Estado a anular todos os atos que acarretaram aumento de despesas com pessoal, inclusive a nomeação de 1.275 servidores.
No Distrito Federal, a situação é de calamidade. Além de construir um dos estádios mais caros do mundo, no desespero para tentar se reeleger, o governador Agnelo Queiroz concedeu aumentos generosos aos servidores públicos. Agora não há dinheiro para as creches, alimentação de pacientes em hospitais, empresas de ônibus, salários e até aposentadorias. Mas, como tudo em Brasília acaba em festa, na semana passada foi divulgado edital para o réveillon, no valor de R$ 2 milhões.
Nas cidades, a situação da LRF é ainda pior. A Confederação Nacional de Municípios (CNM) apontou que provavelmente 5.368 prefeituras irão encerrar o ano com irregularidades no cadastro que consolida as responsabilidades dos entes perante o governo federal (Cauc), uma espécie de SPC da Secretaria do Tesouro Nacional. Na lista suja estão 96,4% dos municípios brasileiros.
Esta situação decorre, em parte, da estagnação da economia e das desonerações promovidas pelo governo federal, notadamente Imposto de Renda e IPI, que afetaram negativamente as receitas da União, estados e municípios. Como é óbvio, quanto menor a arrecadação, maior o risco de exceder os limites. Mas, se faltou receita, cabia aos gestores reduzir despesas.
O mau exemplo, no entanto, vem de cima. Quando o governo sistematicamente fecha as suas contas na marra e chantageia o Congresso com a liberação de emendas para transformar déficit em superávit, estimula a desordem fiscal. Além disso, nunca houve disposição das autoridades federais em fixar limites para o endividamento da União, previsto na lei, que ainda depende de regulamentação. Hoje, só estados e municípios estão sujeitos a limites de endividamento.
O Conselho de Gestão Fiscal, previsto no artigo 67 da LRF, formado por representantes de todos os poderes e esferas do governo, do Ministério Público e de entidades técnicas representativas da sociedade, também não saiu do papel.
No Brasil, há vários anos, a LRF vem sendo rasgada nas beiradas. Cabe ao Ministério da Fazenda e aos tribunais de contas — principais guardiões da responsabilidade fiscal — pensarem em Cícero e juntarem os pedaços...
Descumprimento da meta fiscal (Imagem: EFE)
Gil Castello Branco é economista e fundador da organização não governamental Associação Contas Abertas

Comentários:

Postar um comentário

Template Rounders modificado por ::Power By Tony Miranda - Pesmarketing - [71] 9978 5050::
| 2010 |