Por CELSO MING - O Estado de S.Paulo
Um dos princípios mais fortemente questionados nesta crise econômica global é
a suposta separação entre a política de juros (política monetária, a cargo dos
bancos centrais) e a de gastos públicos (política fiscal, sob incumbência dos
Tesouros nacionais).
Cada vez mais os bancos centrais vêm executando políticas com objetivos
fiscais, para compensar o que os Tesouros nacionais não conseguem fazer. Quando,
por exemplo, emitem enormes volumes de moeda, os bancos centrais concorrem para
forte redução dos juros. Com juros insignificantes, os custos de rolagem das
enormes dívidas dos países avançados ficam mais baixos. Ou seja, ao derrubá-los
a níveis próximos de zero ao ano, os bancos centrais de países altamente
endividados atuam para impedir o colapso fiscal imediato dos respectivos
Tesouros nacionais.
No entanto, a política monetária não se limita a manter o volume de moeda em
patamares elevados, de maneira que os juros básicos fiquem muito próximos de
zero. Algumas operações monetárias estão sendo ativadas para recomprar títulos
públicos com a intenção de achatar mais o custo das dívidas carregadas pelos
Tesouros nacionais.
É o que está fazendo o Federal Reserve (o banco central dos Estados Unidos)
ao recomprar, como vem fazendo agora, US$ 40 bilhões por mês em títulos do
Tesouro americano. Com o mesmo objetivo, em setembro, o Banco Central Europeu,
por sua vez, criou as operações de Transações Monetárias Diretas (OMT, na sigla
em inglês).
Essa atuação monetária de natureza fiscal não se restringe aos grandes bancos
centrais. Ontem, por exemplo, o ministro da Fazenda do Brasil, Guido Mantega, em
entrevista à Globo News, avisou que, em 2013, o Tesouro brasileiro deixará de
pagar entre R$ 30 bilhões e R$ 40 bilhões apenas em juros da dívida pública.
Essa economia se tornou possível graças à política do Banco Central do Brasil,
que, em pouco mais de um ano, derrubou os juros básicos (Selic) de 12,50% para
os atuais 7,25% ao ano.
Na verdade, Mantega não está dizendo só isso. Está tentando justificar a
forte elevação de despesas públicas com a compensação de menores dispêndios com
juros. E não é bem assim. Esse tipo de economia nem sempre tem impacto imediato
relevante no caixa do Tesouro, porque os custos com juros não são desembolsados
imediatamente; são incorporados ao principal da dívida, ou seja, são
transformados em dívidas que só vão pagar juros lá na frente.
Tanto para a presidente Dilma Rousseff como para o ministro Mantega, a
atuação de natureza fiscal dos grandes bancos centrais produz efeitos colaterais
adversos. Despeja moeda estrangeira em excesso no câmbio dos países emergentes -
fator que encarece excessivamente seu produto e provoca distorções no comércio
exterior. É o que a presidente vem chamando de tsunami monetário e o ministro
Mantega, de guerra cambial.
No entanto, muito provavelmente a consequência mais perversa das políticas
expansionistas dos bancos centrais dos países avançados é o amortecimento da
crise. Se, de um lado, evitam naufrágios espetaculares, de outro, prolongam
indefinidamente a agonia. Assim, o ajuste vai sendo adiado, com custos
provavelmente mais altos.
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