Do blog do JOSIAS DE SOUZA
Por Josias de Souza
Celso de Mello, decano do STF,
reagiu com acidez à notícia de que Lula pressiona ministros do tribunal para adiar
o julgamento do mensalão. “Tentar interferir dessa maneira em um julgamento do
STF é inaceitável e indecoroso”, disse ele. “Rompe todos os limites da
ética.”
“Se ainda fosse presidente da República, esse comportamento seria passível de
impeachment por configurar infração político-administrativa, em que um chefe de
Poder tenta interferir em outro”, acrescentou Celso de Mello.
O ministro falou ao reporter Rodrigo
Haidar, da revista eletrônica Consultor Jurídico. Referia-se ao encontro que Lula teve com o
colega Gilmar Mendes, em 26 de abril, no escritório do ex-ministro Nelson Jobim,
em Brasília.
Nesse encontro, segundo relatou Gilmar à Veja, Lula fez lobby em favor do
adiamento da decisão do Supremo sobre o mensalão para depois das eleições
municipais de outubro. Em troca, insinuou que poderia oferecer proteção ao
interlocutor na CPI do Cachoeira.
Para Celso de Mello, trata-se de “um episódio anômalo na história do STF.”
Acha que “a conduta do ex-presidente da República, se confirmada, constituirá
lamentável expressão de grave desconhecimento das instituições republicanas e de
seu regular funcionamento no âmbito do Estado Democrático de Direito.”
Mais: “O episódio revela um comportamento eticamente censurável,
politicamente atrevido e juridicamente ilegítimo”, declarou Celso de Mello. Por
ora, Lula não se manifestou formalmente sobre a notícia tóxica. Mandou que sua
assessoria negasse, mas disse que não irá se pronunciar. Gilmar confirmou a
reportagem da revista. E Jobim negou que Lula tenha feito qualquer tipo de
pressão.
Instado a comentar o fato, outro ministro do Supremo, Marco Aurélio Mello,
ecoou o decano: “Não concebo uma tentativa de cooptação de um ministro. Mesmo
que não se tenha tratado do mérito do processo, mas apenas do adiamento, para
não se realizar o julgamento no semestre das eleições. Ainda assim, é algo
inimaginável. Quem tem de decidir o melhor momento para julgar o processo, e
decidirá, é o próprio Supremo”.
No sábado, Marco Aurélio já havia saltado da cadeira:
“O Supremo não é sindicato”, ele dissera. Nesta nova manifestação, declarou que
o tribunal não se move à base de pressões: “Julgaremos na época em que o
processo estiver aparelhado para tanto. A circunstância de termos um semestre de
eleições não interfere no julgamento. Para mim, sempre disse, esse é um processo
como qualquer outro.”
De acordo com a notícia de Veja, corroborada por Gilmar, Lula revelou durante
a conversa de abril a intenção de estender suas gestões protelatórias a outros
ministros. Já teria conversado com José Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski.
Pediria ao amigo e ex-ministro do STF Sepúlveda Pertence para interceder junto à
ministra Cármen Lucia.
Na opinião de Marco Aurélio, os desejos de Lula são pueris. “São suposições
de um leigo achar que um integrante do Supremo Tribunal Federal esteja sujeito a
esse tipo de sugestão.”
“A ministra Cármen Lucia atua com independência e equidistância. Sempre
atuou”, afirmou Marco Aurélio. “E ela tem para isso a vitaliciedade da cadeira.
A mesma coisa em relação ao ministro Ricardo Lewandowski. Quando ele liberar seu
voto será porque, evidentemente, acabou o exame do processo. Nunca por
pressão.”
Gilmar Mendes disse ter refutado a abordagem de Lula. Celso de Mello
classificou a atitude do colega de “corretíssima”. Algo que “mostra a firmeza
com que os ministros do STF irão examinar a denúncia na ação penal que a
Procuradoria-Geral da República formulou contra os réus” do mensalão.
Dando de barato que Gilmar foi veraz em seu relato, Celso de Mello disse que
Lula praticou “um gesto de desrespeito por todo o STF. Sem falar no caráter
indecoroso é um comportamento que jamais poderia ser adotado por quem exerceu o
mais alto cargo da República.”
Na sua opinião, foi “surpreendente essa tentativa espúria de interferir em
assunto que não permite essa abordagem. Não se pode contemporizar com o
desconhecimento do sistema constitucional do país nem com o desconhecimento dos
limites éticos e jurídicos.”
A exemplo de Marco Aurélio, Celso de Mello também descrê da possibilidade de
êxito de pressões do gênero. “Por isso mesmo, se mostra absolutamente
inaceitável esse ensaio de intervenção sem qualquer legitimidade ética ou
jurídica praticado pelo ex-presidente da República.”
“De qualquer maneira, não mudará nada”, prosseguiu Celso de Mello. “Esse
comportamento, por mais censurável, não afetará a posição de neutralidade,
absolutamente independente com que os ministros do STF agem. Nenhum ministro
permitirá que se comprometa a sua integridade pessoal e funcional no desempenho
de suas funções nessa ação penal.”
Assim, a despeito de considerar o episódio “negativo e espantoso em todos os
aspectos”, Celso de Mello avalia que “servirá para dar relevo à correção com que
o STF aplica os princípios constitucionais contra qualquer réu, sem importar-se
com a sua origem social e que o tribunal exerce sua jurisdição com absoluta
isenção e plena independência.”
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