Por José Paulo Kupfer - O ESTADO DE SÃO PAULO
A crise econômica global, que evolui sem solução há quase cinco anos, já
passou por um pico de turbulências logo após a quebra do banco Lehman Brothers,
em 2008. Mas quem achou que aquele foi o momento mais agudo de instabilidades e
retração nos investimentos deve se preparar para novas e preocupantes surpresas.
O quadro que se desenha no horizonte da economia global tem potencial para ser
ainda mais sombrio do que o de 2008-2009.
Parece estar em curso uma desaceleração sincronizada muito mais abrangente do
que a verificada na primeira onda da crise. Naquela ocasião, depois do colapso
bancário nos Estados Unidos, seguiu-se a desestabilização dos bancos europeus.
E, na sequência, a explosão dos déficits e das dívidas soberanas na Europa. As
economias emergentes, no entanto, depois de um soluço, remaram na direção
contrária.
Puxados pela China – e sua então inabalada demanda por commodities –, os
emergentes acumularam saldos comerciais e reservas cambiais, sustentando
retomadas fortes de consumo doméstico, sem pressões insuportáveis sobre os
índices de inflação. O “milagre” se deu com o aumento das importações e a
atração de capitais externos, sob a ação de dois santos: a valorização cambial e
juros acima dos níveis a que foram empurradas as taxas nos países de economia
madura.
São cada vez mais nítidos, contudo, os sinais de que esse arranjo se aproxima
do limite. Com picos isolados e motivados por causas conjunturais específicas –
caso do petróleo –, os mercados de commodities ingressaram numa trajetória
deflacionária, levantando dúvidas sobre a capacidade de as economias emergentes
sustentarem as taxas de crescimento anteriormente exibidas, sem desequilíbrios
excessivos.
A Europa está no epicentro da crise, mas olhares temerosos também se voltam
para a China e mesmo para os Estados Unidos. Logo o teto da dívida pública
americana terá de ser renovado e estão vencendo várias isenções de tributos, que
foram usadas para impulsionar a economia, podendo-se imaginar a conturbação que
tudo isso tende a produzir em ano de eleição presidencial polarizada.
Com relação à China, as análises são crescentemente céticas quanto à
capacidade de seus dirigentes administrarem a transição de um modelo exportador
para um outro, voltado para o mercado doméstico, sem impactos negativos sobre o
desempenho da economia. O fato é que, da mesma forma que uma quebra da unidade
da moeda na zona do euro deixou de ser impensável – para a Grécia, na verdade,
já é a hipótese preferida –, a possibilidade de uma freada mais acentuada da
economia chinesa passou a frequentar, desembaraçadamente, os cenários
prospectivos.
Especialistas do calibre de Kenneth Rogoff, professor em Harvard e ex-FMI,
profetizam, para os próximos anos, momentos em que o PIB chinês crescerá menos
de 5% e apostam numa tendência de expansão da economia chinesa, daqui a cinco ou
seis anos, mais para 6% do que para os 9% ou 10% de anos passados. Indicadores
de expansão econômica cada vez mais limitada também são encontrados nas análises
sobre o Brasil, Índia, África do Sul e em outros emergentes.
É inevitável que as perspectivas de concretização desse abraço de urso em
escala global conduzam a uma etapa de profunda aversão ao risco, baixo
investimento e desemprego, dos quais poucas economias escaparão. Como é possível
observar, esse quadro já se reflete nos pregões das bolsas de valores mundo
afora.
Embora os juros estejam em níveis baixíssimos, a retração dos investidores é
algo comprovável pelo recuo dos índices que medem o desempenho integrado dos
mercados acionários em um amplo rol de países. Eles já caíram 10% de março para
cá e encolheram mais de 15%, na comparação com maio de 2011.
A redução das taxas de juros, em paralelo com o aumento das incertezas na
economia real, tem se refletido nos resultados pífios contabilizados pelos
fundos privados globais, o que, por sua vez, determina a decisão de evitar o
carregamento de posições alavancadas. Muitas vezes, essa combinação adversa se
traduz, simplesmente, por uma absoluta preferência pela liquidez. Calcula-se que
um montante entre US$ 2 trilhões e US$ 3 trilhões, só nos Estados Unidos, está
sendo mantido em caixa, à espera de melhores oportunidades de aplicação. E, além
do dólar e de bônus alemães, já se nota aumento da procura por francos
suíços.
Se a história dos episódios de criação e estouro de bolhas financeiras, nas
últimas oito décadas, pode ser replicada para a crise atual, a economia global
está entrando na fase em que os ativos devolvem o que alavancaram e,
concomitantemente, as economias se retraem. Nos eventos históricos anteriores,
esse período durou de três a cinco anos.
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