terça-feira, 11 de abril de 2017

FRAUDE: ESPECIAL - ESQUEMA DE SÉRGIO CÔRTES DESVIOU ATÉ R$ 300 MILHÕES DA SAÚDE

OGLOBO.COM.BR
POR CHICO OTAVIO E DANIEL BIASETTO

Comandado pelo ex-secretário de Sérgio Cabral junto ao Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (Into) e a secretaria estadual, rombo se deu na compra de material hospitalar desde 2002

A operação Fatura Exposta, versão da Lava-Jato no Rio, chegou à área da saúde pública e prendeu na manhã desta terça-feira o ex-secretário Sérgio Côrtes. A ação, que revelou um dos mais profundos e duradouros golpes no setor, também levou à prisão os empresários Miguel Iskin, presidente da Oscar Iskin, e seu sócio Gustavo Estellita Cavalcanti Pessoa.
Os desvios que levaram à prisão do ex-secretário são equivalentes ao dobro do orçamento anual do Hospital Municipal Souza Aguiar, considerado o hospital com a maior emergência pública da América do Sul.
A fraude, aplicada nas regras de importação, permitiu que uma máfia formada por empresários e gestores públicos desviasse, por pelo menos 12 anos (2003-2014), de 40% a 60% de um total de R$ 500 millhões gastos pela Secretaria Estadual de Saúde do Rio (SES) e pelo Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (Into) em compras internacionais de equipamentos médicos de alta complexidade, como macas elétricas, monitores transcutâneos, aparelhos cirúrgicos e unidade móveis de saúde.

Como o esquema fraudava as importações

Instituto Nacional de Traumato Ortopedia (INTO) - Márcia Foletto / Agência O Globo

A delação premiada de um ex-aliado, reforçada por três gravações de conteúdo comprometedor entregues à força-tarefa do Ministério Público Federal e da Polícia Federal, provocou a prisão do ortopedista Sérgio Côrtes, ex-secretário estadual de Saúde e braço-direito de Sérgio Cabral, do empresário Miguel Iskin, presidente da Oscar Iskin, uma das maiores distribuidoras de material médico do país, e de seu sócio, Gustavo Estellita Cavalcanti Pessoa.
Na delação, o advogado Cesar Romero Vianna, ex-subsecretário executivo da secretaria e ex-assessor da direção do Into, revelou que a prática de propina contaminou todos os gastos da Secretaria de Saúde . O esquema cobrava 10% de propina dos valores reembolsados. No caso da Secretaria, afirmou Romero, 5% eram reservados ao ex-governador Sérgio Cabral, 2% ao ex-secretário de Saúde Sérgio Côrtes, 1% para os conselheiros do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ) e 1% para a "máquina". Romero levava 1%.
A propina para Cabral era operada pelo ex-assessor Carlos Miranda, também preso na Calicute. Já o 1% para a "máquina" ficava a cargo do ex-secretário de governo do peemedebista, Wilson Carlos, também alvo da Lava-Jato.
O golpe consistia em usar a seu favor uma das leis que regulamentam a importação de material hospitalar. No esquema, o Into e a SES, ao adquirir os equipamentos, repassavam aos vendedores desses materiais o valor do custo e mais os impostos obrigatórios. Porém, por serem órgãos públicos, ambos (Into e SES) são isentos de pagar tributos. O dinheiro de impostos que era cobrado a mais (de 40% a 60% do total) virava propina paga pelos fornecedores, afirmou o delator.
CÔRTES ADMITIU AMIZADE
Além de Sérgio Côrtes, o delator denunciou que a fraude envolve o empresário Miguel Iskin, presidente da Oscar Iskin, empresa distribuidora de material hospitalar, e de seu sócio, Gustavo Estellita Cavalcanti Pessoa. Eles são acusados de comandar um cartel de distribuidoras e fornecedoras de serviços que teria fraudado as licitações da Saúde durante a gestão de Côrtes (2007-2013).
Em levantamentos realizados nos portais da transparência da União e do Estado do Rio de Janeiro, o MPF verificou que, no período de 2007 a 2017, duas das empresas ora investigadas Oscar Iskin e Cia Ltda e Levfort Comércio e Tecnologia Médica Ltda obtiveram em contratos relacionados à área da saúde o montante aproximado de R$ 368.958.378,18. Considerando as declarações do colaborador, que afirmou que ao menos 10% desses valores era desviados ao abastecimento da organização criminosa, poder-se-ia estimar que somente através dessas duas empresas teria havido o desvio de aproximadamente R$ 36.895.837,82 dos cofres públicos.
A força-tarefa vai ouvir os representantes legais das pessoas jurídicas Per Prima Comércio e Representações, Rizzi Comércio e Representações Ltda, Drager Industria e Comercio Ltda, Stryker do Brasil Ltda, Maquet do Brasil Equipamentos Médicos Ltda, bem como dos requeridos Jonas Ferreira Rigo, Michelle Costa Fonseca e Rodrigo Abdon Guimarães.
Outras grandes fabricantes internacionais de material médico foram citados por Cesar Romero como os maiores fornecedores dos equipamentos: Siemens do Brasil Ltda, Philips do Brasil Ltda, e Orthofix do Brasil Ltda.
Côrtes confirmou ao GLOBO que é amigo e médico de Iskin e sua família há mais de 20 anos. Mas negou ter feito qualquer tipo de negócio com o empresário, que também confirmou o laço de amizade.
De acordo com a delação, Estellita atuava como caixa do esquema, providenciando o pagamento da propina e controlando a contabilidade paralela. O grupo contava com uma casa de câmbio, a Folk Travel, para gerar recursos e organizar viagens internacionais.

FRAUDE NÃO POUPOU 'TAXA DE INCÊNDIO'
O ex-coronel do Corpo de Bombeiros Pedro Marco entre Côrtes e Cabral em sua nomeação para comandante, em 2007 - Divulgação

O delator também citou o então comandante do Corpo de Bombeiros, Pedro Marco Cruz Machado, como envolvido no esquema comandado por Côrtes. Nomeado por Cabral em 2007 para o posto, em cerimônia da qual também participou o ex-secretário de Saúde, o militar liberava recursos do Funesbom (Taxa de Incêndio) para importar materiais hospitalares, segundo a colaboração.
Romero afirmou aos procuradores da República que o esquema de importação começou em 2003, no Into, quando Côrtes era diretor-geral do órgão. Em 2007, migrou para a Secretaria Estadual de Saúde, assim que Côrtes assumiu a pasta, e durou pelo menos até 2014. Com base nos documentos que o delator entregou à força-tarefa, as compras realizadas nestes 12 anos somaram R$ 500 milhões para Into, Secretaria de Saúde e Corpo de Bombeiros.
As compras eram feitas por meio do sistema de pregão presencial. A brecha para o golpe foi aberta pela Lei 8666/93, que regulamenta as licitações. No artigo 42 e parágrafo 4º, a lei exige, para fins de julgamento de licitação, que o preço do equipamento oferecido pelo fabricante internacional seja acrescido "dos gravames conseqüentes dos mesmos tributos que oneram exclusivamente os licitantes brasileiros quanto à operação final de venda". O objetivo do artigo é garantir a competitividade da concorrência.
Definido o vencedor, os valores com os tributos previstos eram pagos por meio de carta de crédito em favor da empresa. Porém, quem importava pelos Portos do Rio de Janeiro e Paraíba não era o fabricante, que teria de recolher tais impostos (Imposto de Importação, Imposto sobre Produtos Industrizlizados, PIS/Cofins e ICMS), mas os próprios órgãos públicos, beneficiados pela isenção, garantida pelo parágrafo 1, do artigo 10 do Decreto Lei 37/66. O ente público não pode cobrar imposto dele mesmo.
Ele citou como exemplo do esquema a montagem de dois centros que seriam referência no tratamento e diagnóstico por imagem na realização de exames como ressonância magnética, mamografia, tomografia, Raios X, ultrassonografia e ecocardiografias: O Rio Imagem, inaugurado no Centro do Rio em dezembro de 2011 ao custo R$ 33,5 milhões; e o de Niterói, previsto para ser inaugurado em 2013 e que chegou até a adquirir os equipamentos necessários para seu funcionamento, mas sequer saiu do papel.
PROJETO SUPORTE AMPLIOU O GOLPE
No exterior, os valores pagos indevidamente eram repassados pelos fabricantes a Miguel Iskin em forma de taxa de serviços. Romero garantiu que a propina circulou em contas secretas internacionais. Além de comprar para si, o Into obteve, de acordo com a Portaria nº 401 do Ministério da Saúde (gestão do ex-ministro Humberto Costa, em 2005), o poder de adquirir equipamentos de alta complexidade para unidades federais espalhadas pelo país, ação que foi denominada na época de "Projeto Suporte".
De acordo com a delação, o pregão era viciado porque os requisitos exigidos para as empresas vencerem a disputa da licitação eram combinados e definidos previamente com os fornecedores do material. A partir daí, o diretor de vendas da Oscar Iskin, Marco Antonio Duarte de Almeida e seu irmão, Marco Vinicius, e Gaetano eram responsáveis pela organização da fraude licitatória.

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