quinta-feira, 3 de julho de 2014

DIREITOS HUMANOS: Documentos mostram que EUA toleraram prática de tortura na ditadura

De OGLOBO.COM.BR
POR EVANDRO ÉBOLI E EDUARDO BARRETTO

Preocupação maior era não prejudicar relações com aliado estratégico
BRASÍLIA — Em 43 relatos confidenciais enviados ao Departamento de Estado do governo americano pelas representações dos Estados Unidos no Brasil — embaixada e consulado — entre 1967 e 1977, fica demonstrado o conhecimento detalhado de tortura, mortes e desaparecimentos ocorridos no Brasil naqueles anos. Os documentos revelam a tolerância dos americanos com a repressão brasileira para evitar estremecer laços diplomáticos e interesses comerciais.
No início da década de 70, o governo dos EUA não condenou formalmente as violações praticadas no Brasil.
Num dos textos, as autoridades americanas demonstram conhecer como se davam as prisões dos “subversivos”, desde a abordagem policial a detalhes de tortura nas prisões. “Pego sob mira de armas e ordenado a seguir policiais. Tem as roupas tiradas e sentado sozinho numa cela escura ou refrigerada por várias horas (...) É colocado sem roupa numa cela pequena e escura em piso de metal por onde passam correntes elétricas. O choque sentido pelo indivíduo, apesar de ser leve e constante, se torna quase impossível de suportar (...) O seu destino é desconhecido por parentes por dias e semanas" diz um dos relatórios, de abril de 1973, do Consulado Geral americano no Rio.
SIMULAÇÃO DE CONFRONTOS
Nesse mesmo relatório, os americanos relatam o expediente usado pelos agentes da ditadura do Brasil que, em alguns casos de assassinatos de opositores, fizeram as mortes parecerem ser resultado de resistência à prisão e troca de tiros. Nesse trecho, é dito que essa prática visa a amenizar na imprensa internacional a repercussão da morte por tortura dos principais líderes da resistência ao governo militar.
“Vários fontes contestam que a técnica do ‘tiroteio’ está sendo usada cada vez mais pela polícia não só no Rio mas por todo o Brasil. Sua morte (do subversivo) pode ser reportada na imprensa vários dias depois como tendo ocorrido durante um ‘tiroteio’ com a polícia enquanto estava tentando escapar”. É citado o caso de Lincoln Roque, líder estudantil que teria sido morto sob tortura, em 1973, e cuja morte foi divulgada como resultado de uma troca de tiros.
Em outro documento, de julho de 1972, a embaixada americana diz haver “ampla evidência” que técnicas severas de interrogação ainda estão sendo empregadas no Brasil e que, apesar do forte apelo internacional, “é improvável que esses excessos vão ser totalmente eliminados”. Apesar de ter ciência dessas violações, a postura externa americana era minuciosamente calculada.
“AMIGOS PREOCUPADOS”
“Estou completamente consciente da importância de deixar claro, em uma ocasião adequada e de uma maneira adequada, que o governo dos Estados Unidos não perdoa excessos na forma em que são praticados no Brasil. E acredito que, por isso, tivemos sucesso até aqui, fazendo isso sem prejudicar indevidamente nossas relações com este país, ou causando uma reação contraprodutiva por parte do governo brasileiro”, diz um diplomata americano não identificado.
O remetente recomenda que, no Congresso americano, não sejam adotadas medidas duras que prejudiquem a relação entre Brasil e Estados Unidos. “Devíamos continuar silenciosamente no nosso presente caminho, que é mais útil para o sucesso final, e certamente mais consistente com as relações entre estados soberanos que compartilham enorme interesses em comum”.
Não romper com o governo brasileiro era uma preocupação dos americanos. Eles preferiam agir, em suas palavras, como “amigos preocupados”.
CNV CRITICA FORÇAS ARMADAS
Ontem, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) classificaram como deplorável que Marinha, Exército e Aeronáutica concluíram não ocorrido torturas e outras violações em sete unidades militares na ditadura. “A Comissão Nacional da Verdade deplora e lamenta profundamente o entendimento exarado nos três relatórios de que não há comprovação da ocorrência de tortura e outras graves violações de direitos humanos nas instalações militares investigadas”, afirma nota.
A CNV lembra que, com a instalação da Comissão de Mortos e Desaparecidos em 1995, no governo Fernando Henrique Cardoso, o Estado brasileiro já havia reconhecido sua responsabilidade por “condutas criminosas de militares e policiais praticadas durante a ditadura, incorrendo inclusive no pagamento de indenizações por conta justamente de fato agora surpreendentemente negados”.

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