Por Dora Kramer - O Estado de S.Paulo
A negociação entre investigadores e investigados para entrega de informações
em troca dos benefícios judiciais não é algo simples nem imune a riscos.
Um caso ocorrido em 2004 e hoje longe da memória nacional vem bem a propósito
nesse momento em que a defesa de Marcos Valério Fernandes de Souza tenta obter
melhores condições para o cumprimento das penas decorrentes de todos os
processos relativos ao mensalão.
O episódio encerrou a carreira do subprocurador da República José Roberto
Santoro, atuante em casos de repercussão nacional como o desmonte de quadrilhas
incrustadas no aparelho de Estado no Acre e no Espírito Santo.
Santoro trabalhava no escândalo Waldomiro Diniz, braço direito de José Dirceu
na Casa Civil e conhecido do Brasil depois da divulgação de um vídeo em que
tentava extorquir o bicheiro Carlos Cachoeira quando era presidente da loteria
estadual do Rio de Janeiro (Loterj), no governo Anthony Garotinho de quem o PT
era aliado.
O contraventor procurou o Ministério Público buscando benefícios em troca de
informações sobre um alegado esquema de arrecadação de recursos para o PT, que
receberia parte da propina pedida e cuja cúpula teria conhecimento das ações de
Waldomiro.
José Roberto Santoro chamou Cachoeira ao seu gabinete numa madrugada para
questioná-lo a respeito do que ele teria a oferecer à Procuradoria. Queria o
vídeo original e completo do encontro de Waldomiro Diniz com o bicheiro.
No interrogatório, a certa altura o subprocurador pressionou Cachoeira a
falar logo antes que o então procurador-geral Cláudio Fonteles chegasse e
interpretasse a cena como uma tentativa de "ferrar" o ministro da Casa Civil,
José Dirceu, "para derrubar o governo Lula".
O bicheiro estava gravando. O áudio foi entregue à TV Globo e usado pelo
governo para politizar a história, dizendo que o diálogo era prova da
"conspiração".
O escândalo, que até então era de corrupção, virou uma questão política com o
subprocurador sendo acusado de usar o cargo para prestar serviço ao PSDB.
Estava negociando uma delação premiada que, distorcida, levou investigador e
investigados a inverterem os papéis.
José Roberto Santoro deixou a procuradoria, abriu escritório de advocacia e
hoje, oito anos depois, Carlos Cachoeira está na cadeia, Waldomiro Diniz
condenado a 12 anos pela justiça do Rio e José Dirceu em vias de ser preso.
Ao bispo. A conta das perdas do Rio de Janeiro com a
aprovação da nova lei de distribuição dos royalties do petróleo não pode ser
cobrada só do Congresso.
Não fosse a mudança nas regras proposta pelo então presidente Lula no embalo
da euforia do pré-sal, não haveria o prejuízo.
Confiante no peso de Lula sobre a vontade do Legislativo, o governador Sérgio
Cabral embarcou numa canoa desde o início fadada a fazer água: se a quase
totalidade dos Estados brasileiros é de não produtores, era óbvio que a
representação no Congresso iria se posicionar para favorecer essa maioria.
Agora dificilmente a presidente Dilma Rousseff fará vetos que contrariem
parlamentares, prefeitos e governadores.
Ilusão à toa. Começa a circular uma ideia lançada pelo
governador da Bahia, Jaques Wagner, de que o PT poderia se comprometer desde já
a ceder a cabeça da chapa presidencial para Eduardo Campos em 2018, em troca a
permanência do governador de Pernambuco no campo governista em 2014.
Campos pode até continuar aliado do Planalto. Por razões de estratégia
política, mas não motivado pela perspectiva de um acerto feito com seis anos de
antecedência cuja moeda é nada menos que a melhor cadeira da República.
Digamos que esteja crescidinho demais para acreditar nesse tipo de promessa.
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