(Editorial)
O Globo
Está previsto para hoje, no Supremo Tribunal Federal (STF), o início do
julgamento da constitucionalidade da política de cotas em instituições de ensino
no Brasil, contestada em três ações que tramitam na Corte.
Na pauta de hoje está a ação protocolada pelo DEM contra o sistema de cotas
adotado pela Universidade de Brasília e o recurso que questiona a política
adotada pela Universidade do Rio Grande do Sul, que combina dois critérios para
a seleção: a origem de escola pública e a “raça”.
A questão foi debatida em audiências públicas realizadas pelo Supremo em
março de 2010, com a participação de mais de 40 especialistas.
Tema complexo em que se embaralham traços da luta pelos direitos civis, da
busca de justiça social, da inclusão de minorias menos favorecidas e até do
politicamente (ou socialmente) correto.
A priori, pode parecer justa a preocupação de garantir espaço, nas
instituições de ensino superior, para jovens que não tenham tido as mesmas
oportunidades que outros, supostamente por questão de renda, cor da pele ou
outro motivo.
O problema é que esse conceito embute distorções capazes de, ao supostamente
neutralizar discriminações, criar outras ainda piores, uma vez que definidas em
leis, normas e regulamentos.
Na próxima semana, o STF deverá analisar a ação do DEM e de entidades da área
de ensino contra o sistema de reserva de bolsas de estudo para negros,
indígenas, pessoas com deficiência e alunos da rede pública, implementado pelo
ProUni, do governo federal.
A barreira defensiva para os negros, por exemplo, é traiçoeira. Segundo dados
de 2008 do IBGE, apenas 6,1% da população se autodefinem como negros. Em termos
percentuais, essa parcela da população só se torna expressiva se a ela se
adicionarem os 45,1% que se denominam pardos. Nesse caso, portanto, a barreira
funciona, na prática, como uma discriminação contra pardos, não contemplados com
cotas.
Outro grande problema do sistema de cotas é o critério a ser adotado para
selecionar os que nele devem ser incluídos.
Quando o sistema é o do mérito escolar, as nuvens se dissipam e as cotas
deixam de ser necessárias. Entra quem obtiver nota suficiente, segundo o número
de vagas. Quando entra o componente racial, a questão se complica.
A Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, por exemplo, criou cotas para
negros, mas depois excluiu 76 inscritos porque suas fotos mostravam que eles não
cumpriam as exigências: eram pardos.
O fato é que esses sistemas artificiais atendem mais aos objetivos
eleitoreiros de alguns políticos que às reais necessidades dos que seriam
supostamente beneficiados.
E, para beneficiar alguns, outros são prejudicados. Como é o caso óbvio dos
milhões de jovens brancos e pobres, que têm tanta dificuldade de acesso ao
ensino superior quanto qualquer outro jovem na mesma situação.
Sem falar no risco de esses sistemas incutirem na sociedade tensões raciais
desnecessárias.
Bastante mais razoável que as cotas raciais seria a adoção de cotas sociais,
em função da renda, e não da cor. Seriam beneficiados os mais pobres, não
importando se brancos, pardos ou negros.
Mas a “ação afirmativa” verdadeiramente desejável é a melhoria do ensino
público básico e profissionalizante, maneira adequada de qualificar o jovem das
famílias de baixa renda, sem discriminações racistas. São aspectos a serem
considerados pelos juízes do STF.
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