Da CONJUR
O Ministério Público Federal em São Paulo (MPF-SP) denunciou, na última
terça-feira (24/4), dois militares, entre eles o coronel reformado Carlos
Alberto Brilhante Ustra, pelo crime de sequestro qualificado de um militante de
esquerda durante a ditadura militar. O bancário e líder sindical Aluíso Palhano
Pedreira Ferreira está desaparecido desde 1971, quando foi preso em São Paulo.
As informações são da Agência Brasil.
Como o corpo de Palhano nunca foi encontrado, o MPF alega que o crime de
sequestro continua, ou seja, que o caso ainda não prescreveu. Também argumenta
que o caso não fere a Lei da Anistia de 1979, já que o perdão instituído pela
lei abrange somente os crimes cometidos até 15 de agosto de 1979.
O coronel Ustra foi comandante do Destacamento de Operações de Informações -
Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi-SP) entre 1970 e 1974. O outro
acusado pelo MPF é o delegado Dirceu Gravina, ainda na ativa na Polícia Civil de
São Paulo. Caso sejam processados e condenados, os acusados poderão receber
penas de dois a oito anos de prisão.
“Esse crime que está sendo imputado hoje é muito posterior à Lei da Anistia,
ele continua sendo praticado enquanto o corpo da vítima não é encontrado. A
Corte Interamericana tem jurisprudência pacífica de que, enquanto o corpo não
foi encontrado, esse crime ainda está em consumação”, disse um dos autores da
denúncia, o procurador Andrey Borges de Mendonça, em entrevista coletiva
concedida na tarde desta terça na sede do MPF, em São Paulo.
A denúncia foi feita com base em depoimentos prestados pelas testemunhas
Altino Dantas Júnior e Lenira Machado, que informaram ter visto Palhano no
DOI-Codi, “muito machucado”. Outro depoimento utilizado na denúncia foi dado
pela militante Inês Etienne Romeu ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do
Brasil (OAB), em que contou ter sido presa pela equipe do delegado Sérgio
Paranhos Fleury, do Departamento de Ordem Política e Social ( Dops), em 5 de
maio de 1971, após um encontro marcado com um camponês cujo apelido era Primo.
Segundo ela, no dia seguinte, Palhano foi preso em São Paulo depois de se
encontrar com o mesmo homem.
“Ninguém tem como afirmar, com certeza, qual é o destino dessa vítima. Apenas
os réus é que podem declarar, efetivamente, o que aconteceu. Até que isso
aconteça, que não se tenha um corpo para exame de corpo de delito, estamos
impedidos de processar por homicídio. Sem corpo, não há como se falar em
homicídio”, explicou a procuradora Eugênia Augusta Gonzaga Fávero.
Na denúncia, os procuradores argumentam que a privação da liberdade de
Palhano nas dependências do DOI-Codi é ilegal, porque, mesmo na época em que o
sequestro teve início, os agentes de Estado não estavam autorizados a atentar
contra a integridade física dos presos. Segundo os procuradores, a denúncia
comprova a privação ilegal da liberdade de Palhano, mas não a sua morte, já que
o paradeiro da vítima é, até hoje, ignorado.
Palhano foi presidente da Confederação Nacional dos Bancários e
vice-presidente da antiga Central Geral dos Trabalhadores (CGT). Com o golpe de
1964, o sindicalista teve seus direitos políticos cassados pelo Ato
Institucional nº 1 e foi exonerado do cargo que ocupava no Banco do Brasil.
Vítima de perseguições políticas, Palhano exilou-se em Cuba e, segundo
investigação do Ministério Público, teve suas atividades no exílio monitoradas
pelos órgãos de repressão.
Em 1970, Palhano voltou ao Brasil e ficou na clandestinidade, chegando a
integrar a Vanguarda Popular Revolucionária, grupo liderado por Carlos Lamarca.
No ano seguinte, foi preso pela repressão em São Paulo. Seu último contato com a
família data de 24 de abril de 1971, há exatos 41 anos.
Esta é a segunda denúncia oferecida pelo MPF por crime de sequestro ocorrido
na ditadura. Em março deste ano, o coronel reformado do Exército Sebastião Curió
foi denunciado por cinco sequestros ocorridos no Araguaia. A Justiça não aceitou
a denúncia, mas o ministério ingressou com recurso que possibilita retratação.
Segundo o procurador Sérgio Suiama, o Ministério Público Federal em São Paulo
atualmente investiga outros 14 casos de desaparecimentos forçados em São Paulo,
que podem ou não render novas denúncias.
Nesse caso específico, Ustra foi denunciado pelo sequestro, em caráter
permanente, de Palhano e pela autoria intelectual dos maus-tratos provocados
pelo também denunciado Dirceu Gravina, que “ocasionaram gravíssimo sofrimento
físico e moral na vítima”.
Assinam a denúncia os procuradores Thaméa Danelon de Melo, Sergio Gardenghi
Suiama, Eugênia Augusta Gonzaga, Inês Virgínia Prado Soares, Andrey Borges de
Mendonça (PR-SP), André Casagrande Raupp, Tiago Modesto Rabelo (PR-PA) e Ivan
Cláudio Marx (PR-RS).
Procurada, a Secretaria de Segurança Pública do estado ainda não se
manifestou sobre a denúncia oferecida pelo MPF contra Gravina. Já o advogado de
Ustra, Paulo Alves Esteves, disse que ainda não tinha sido informado sobre a
denúncia.
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