Por Merval Pereira, O Globo
Foi dada a partida para a CPI do Submundo, uma nova versão da CPI do Fim do
Mundo, e o bicheiro Carlinhos Cachoeira passa de coadjuvante a protagonista de
mais este espetáculo de política genuinamente brasileiro.
A indicação do deputado petista Odair Cunha para a relatoria da CPI mostra
que o Palácio do Planalto, e não Lula, está no comando das ações, pelo menos
inicialmente.
Lula negociou nos bastidores a indicação do ex-líder petista Cândido
Vaccarezza, que foi afastado das funções pela presidente Dilma e novamente
vetado agora.
Representante petista na CPI, Vaccarezza é, portanto, um pote até aqui de
mágoa com o Planalto e seguirá a orientação de Lula.
Pela vontade de Dilma, a CPI não existiria, mas, já que existe, a intenção é
restringi-la, idealmente apanhando apenas os partidos da oposição.
Mas é difícil controlar uma CPI, mesmo tendo uma maioria teórica bastante
folgada. Especialmente esta, que é completamente diferente das que se conhece
até hoje.
Nunca dantes neste país uma CPI foi estimulada pelos governistas e,
incongruência total, começa com todo o trabalho já concluído.
Normalmente as CPIs fazem as investigações e encaminham relatório a
Ministério Público e Polícia Federal, para os processos serem abertos.
Desta vez, o Ministério Público e a Polícia Federal, por meio das operações
Vegas e Monte Carlo, já fizeram todo o trabalho investigativo, e já existe um
resultado desse trabalho, com as acusações contra cada um dos investigados.
A CPI vai apenas tornar público oficialmente o que era privado, embora muitas
das informações tenham vazado.
Por isso já existe um movimento suprapartidário entre parlamentares indicados
para a CPI no sentido de aprofundar as investigações já existentes, ampliando, e
não restringindo, o foco da sua atuação.
Este é um primeiro conflito de muitos que devem ocorrer durante essa CPI.
Governistas e blogueiros chapa-branca já estão preparando o ambiente para tentar
evitar uma investigação sobre a empreiteira Delta, alegando que ela não faz
parte do foco da CPI.
Ao contrário, a minoria oposicionista e os “independentes” estão justamente
querendo investigar a fundo a Delta, como parte de um esquema mais amplo de
lavagem de dinheiro e financiamento de campanhas eleitorais com dinheiro do
jogo, tentando mostrar as conexões entre o bicheiro Cachoeira e a Delta, a tal
ponto interligados, como mostram as conversas telefônicas gravadas com
autorização judicial, que alguns consideram provável que o próprio Carlinhos
Cachoeira seja sócio oculto da Delta, ou até mesmo que o empresário Fernando
Cavendish não passe de um testa de ferro do bicheiro.
Seja qual for a disposição da maioria governista, nada garante que “Sua
Excelência, os fatos”, como dizia Ulysses Guimarães, não se imponha aos
interesses deste ou daquele grupo.
Foi assim nas CPIs anteriores. O bicheiro Carlinhos Cachoeira foi personagem,
entre 2005 e 2006, de três CPIs: a dos Bingos, no Senado, também conhecida como
do Fim do Mundo; e as dos Correios e do Mensalão.
A “CPI do Fim do Mundo” começou investigando o jogo eletrônico e entrou por
temas tão diversos como os assassinatos dos prefeitos petistas de Campinas,
Toninho do PT, e de Santo André, Celso Daniel; e dólares vindos supostamente de
Cuba para a campanha de Lula à Presidência.
Foi nela que surgiu o depoimento do caseiro Francenildo que confirmou que o
então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, frequentava uma mansão em Brasília
usada por lobistas de Ribeirão Preto, seus antigos companheiros quando foi
prefeito.
Foi a partir desse depoimento que aconteceu a quebra do sigilo bancário do
caseiro na Caixa Econômica Federal, em busca do que parecia um suborno para que
ele incriminasse o ministro da Fazenda, o que resultou na saída de Palocci do
governo.
A CPI dos Correios foi criada com o objetivo de investigar as denúncias de
corrupção nas empresas estatais, e acabou se transformando na CPI do
Mensalão.
O resultado foi a acusação a 40 pessoas envolvidas num esquema montado a
partir da Casa Civil da Presidência da República para comprar apoios políticos
ao governo.
Esses resultados justificam o clichê político que diz que uma CPI, sabe-se
como começa e não se sabe como acaba.
Esta, que está começando pelo final, tem resultado mais imprevisível ainda,
pois está sendo instalada contra a vontade de todos, e mesmo assim tornou-se
realidade política inevitável.
O PT divide-se entre os que acham uma loucura colocar em risco a estabilidade
política de um governo tão bem avaliado quanto o da presidente Dilma, e os que,
seguindo a liderança do ex-presidente Lula, veem nela uma boa oportunidade para
pegar alguns oposicionistas bem posicionados, como o governador de Goiás,
Marconi Perillo, e tentar atrapalhar o julgamento do mensalão, que deve
acontecer ainda neste primeiro semestre.
Tudo indica que os que imaginaram colocar o mensalão na conta do bicheiro
Cachoeira erraram a estratégia. Não apenas essa versão parece inverossímil, como
se criou no país um ambiente de cobrança de punição dos corruptos, sejam eles os
envolvidos nas tramas de Cachoeira, sejam os acusados pelo mensalão.
O julgamento do mensalão passou a ser exigido pela cidadania diante da ameaça
de prescrição de penas. Esta, por sinal, é uma discussão que ainda se
desenvolverá nos meios jurídicos.
Há quem considere que a maioria dos crimes prescreveu no ano passado, no caso
da aplicação da pena mínima. Sendo assim, não faria diferença se o julgamento
ocorresse no segundo semestre ou até mesmo no próximo ano.
Mas há interpretações segundo as quais o prazo para prescrição é contado a
partir do momento em que cessa a associação, o que teria ocorrido apenas em
2005, quando o então deputado Roberto Jefferson denunciou a existência do
mensalão. As prescrições dos crimes punidos pela pena mínima seriam então em
2013.
Como se vê, viveremos nos próximos meses um ambiente político tenso, cheio de
turbulências e revelações, como definiu na sua experiência política o presidente
do Senado, José Sarney.
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