sábado, 2 de janeiro de 2010

ARTIGO: Para aproveitar bem o tempo

O debate sobre os direitos humanos promete dar pano para manga em 2010, movido pela Comissão da Verdade, que o governo impulsiona para expor todas as violações cometidas durante o período do regime militar (1964-85). Uma definição mais precisa sobre o escopo da comissão ainda vai demorar.
Na volta das férias, Luiz Inácio Lula da Silva deverá arbitrar as diferenças entre a caserna e a ala do governo que, com a simpatia do presidente, planeja botar para quebrar. Inclusive revogando nomes de ruas, avenidas, praças, cidades, etc. Só que implementar a iniciativa depende também do Congresso Nacional. Não é coisa para amanhã.
Mas as proximas semanas e meses não precisam ser necessariamente perdidos. Enquanto a Comissão da Verdade não sai, o governo brasileiro pode agir para ajudar a impedir os graves ataques do governo do Irã aos direitos humanos de quem ali tem ido às ruas para protestar pacificamente contra o presidente Mahmoud Ahmadinejad.
Há relatos de pessoas desarmadas fuziladas a sangue frio, inclusive pelas costas. Dizem que um sobrinho do principal líder da oposição morreu assim. Há denúncias terríveis vindas das cadeias, inclusive sobre supostos estupros de oposicionistas presos.
Quando recebeu recentemente Ahmadinejad, Lula disse que o objetivo era impedir o isolamento do Irã, abrir um canal de diálogo, e portanto de influência. Está na hora, então, de usar o canal e de influenciar. Até porque o Brasil tem sido muito ativo ao opinar sobre as questões internas de outros países.
Na antevéspera do Natal, o Itamaraty manifestou oficialmente o repúdio ao assassinato do governador Luis Francisco Cuéllar Carvajal, do departamento (estado) de Caquetá, na Colômbia. Ele fora sequestrado. O governo colombiano acusa a guerrilha das Farc pela ação criminosa. Foi um fecho de ano adequado para a nossa dipomacia.
Por que não também começar adequadamente este 2010? Aos que possam objetar, argumentando que uma coisa é dar palpites aqui na vizinhança e outra é palpitar lá longe, lembro que o Brasil foi muito ativo na aprovação, pela ONU, do chamado Relatório Goldstone.
O relatório acusou Israel e o Hamas de atentar contra os direitos humanos no último conflito em Gaza. A ONU mandou os dois lados investigarem o que aconteceu, sob pena de medidas mais sérias da organização.
Por que o Brasil não sugere mandar o próprio Richard Goldstone ao Irã, à frente de uma comissão da ONU? Se o juiz sul-africano foi isento ao relatar os fatos de Gaza, será também com certeza equilibrado quando contar a verdade sobre o Irã.
Se Teerã reagir contra a suposta ingerência em seus assuntos internos, Lula poderá dar um xeque-mate em Ahmadinejad, com o argumento preferido dos nossos ministros da Justiça e dos Direitos Humanos quando discutem a Lei de Anistia: certos crimes são tão hediondos que exigem a subordinação do arcabouço legal de cada país às normas e tratados internacionais.
Uma iniciativa assim vai trazer muitos pontos ao Brasil na campanha para ocupar uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU. Talvez cause desconfortos localizados, mas nada que o Itamaraty e o prestígio de Lula não possam contornar.
O que não dá é o Brasil passar a impressão, eventualmente injusta, de que nosso governo só se preocupa com os direitos humanos dos amigos, e está se lixando para os dos adversários.
A liderança de Lula, aqui e lá fora, não conviveria bem com a impressão de que para ele os direitos humanos são negociáveis, a depender do dividendo político ou econômico em jogo. O governo iraniano diz que os protestos visam a derrubá-lo, numa reprodução das “revoluções de veludo” que puseram fim aos regimes comunistas no Leste Europeu. De fato, os manifestantes alegam uma suposta fraude nas eleições. Lula poderia então propor outra comissão internacional, agora para investigar se as urnas que reelegeram Ahmadinejad refletiram fielmente o pensamento do eleitor persa.
Esta coluna hoje está um celeiro de boas ideias.
De todo modo, o sujeito sair na rua desarmado aos gritos de “Fora Ahmadinejad” não é motivo para a polícia ir atirando nele. Quando Fernando Henrique Cardoso desvalorizou o real no começo de 1999, logo depois de reeleito, houve quem questiosse sua legitimidade. Teve gente que saiu por aí pedindo “Fora FHC”.
Mas nenhum dos manifestantes que queriam tirar, antes da hora, FHC do Planalto tomou tiro por causa disso. Aliás, se tivesse acontecido certamente seria um assunto obrigatório para a Comissão da Verdade que o governo Lula vai criar.

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