terça-feira, 9 de julho de 2013

ARTIGO: Em silêncio, entre Washington e Brasília

De OGLOBO.COM.BR
Por José Casado, jornalista

"Em Deus confiamos, todos os outros monitoramos" - essa é a regra de trabalho número um dos espiões da Agência de Segurança Nacional (National Security Agency - NSA, na sigla em inglês), conta James Bamford, jornalista e professor da Universidade de Berkley, autor de best-sellers da literatura de não-ficção sobre espionagem eletrônica.
A número dois é: "Servimos em silêncio".
Há pouco mais de um mês, a NSA era considerada a agência mais secreta do aparato de espionagem dos Estados Unidos. Há quatro semanas está sob holofotes em cinco continentes, por iniciativa de um ex-colaborador, Edward Snowden, 30 anos, que está expondo um amplo acervo de documentos internos.
Um desses mostra que a agência espionou 2,3 bilhões de telefonemas e mensagens trocadas dentro dos Estados Unidos, apenas no último mês de janeiro. No Brasil, naquele mês, a bisbilhotagem da NSA alcançou ou ultrapassou a casa do milhão. O número é incerto, mas os mapas da própria NSA (publicados pelo GLOBO no domingo) são eloquentes sobre a dimensão do caso brasileiro e seu impacto no sistema de segurança nacional (O GLOBO na segunda-feira.)
A NSA nasceu há 61 anos, na Guerra Fria. Seu trabalho é mesmo espionar comunicações de outros países, decifrando códigos usados por governos, pessoas e empresas. Se dedica, também, a desenvolver sistemas de criptografia para o sistema de Defesa dos EUA.
Na sua origem está um caso clássico de espionagem sob névoa e lama: o supergrampo do Túnel de Berlim - codinome "Operação Ouro" nos EUA e "Operação Cronômetro" na Grã Bretanha.
Em meados dos anos 50, os aliados combinaram a montagem de uma grande armadilha sobre fios telefônicos nos subterrâneos da então Berlim Oriental dominada pela União Soviética. Entre os agentes encarregados destacava-se o britânico George Blake, nascido Behar, chefe da estação local do MI6.
Era 1955. Em Londres, Churchill renunciava ao cargo de primeiro-ministro. Em Bonn proclamava-se a Alemanha Ocidental como nação soberana. Naquele 14 de maio, quando Moscou assinava o tratado de defesa mútua - conhecido como Pacto de Varsóvia -, com mais sete países comunistas, o túnel estava praticamente pronto. Passava sob uma rua próxima ao quartel-general do Exército soviético em Berlim Oriental.
Nos 11meses e 11 dias seguintes, americanos e britânicos grampearam cerca de um milhão de ligações telefônicas. A festa acabou quando soldados soviéticos apareceram na boca do túnel, no 21 de abril de 1956.
Mesmo assim, os aliados comemoraram. A "operação" representava uma virada de página na história da espionagem, sinalizando uma nova era - a da bisbilhotagem eletrônica -, com inimagináveis fluxos de informações exclusivas, obtidas em absoluto silêncio. Era tanto material coletado que a transcrição se estendeu até o final da década.
Tempos depois, em 1961, descobriu-se que o britânico Blake era agente duplo. E mais: informara os soviéticos sobre o túnel desde a fase de planejamento, além de entregar toda a rede de espiões ocidentais do outro lado do Muro de Berlim.
A KGB, claro, deixara a obra seguir, para se aproveitar do supergrampo como veículo de desinformação.
Blake foi preso, julgado e condenado a 42 anos de cadeia. Fugiu em 1996. Sumiu dos grampos, mapas e radares.
Alguns veem essa história como êxito. Outro enxergam fracasso.
Em qualquer hipótese, não é difícil constatar a dimensão de absurdo entre a captação do milhão de tagarelices telefônicas no túnel e dos mais de dois bilhões de falatório e mensagens espionadas em janeiro passado nos Estados Unidos e no Brasil.
O problema permanece o mesmo, 57 anos depois do supergrampo no Túnel de Berlim: o controle efetivo dos serviços secretos para impedir a irracionalidade inata das operações clandestinas. A diferença é que, hoje, os espiões não precisam ficar na lama e viver sob a névoa berlinense. Podem ficar confortavelmente, por exemplo, na sede em Washington ou na "estação" Brasília.
Como demonstra o histórico da NSA, CIA, KGB e do antigo SNI brasileiro, a espionagem incontrolada tem efeito corrosivo para a democracia, tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil.

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