Por Dora Kramer - O Estado de S.Paulo
Há convocações e convocações. Na história recente do Brasil a oposição ao
regime militar levou às ruas milhares para pedir da "anistia ampla, geral e
irrestrita" e reuniu milhões para exigir eleições "Diretas-Já".
Anos depois um presidente acuado por denúncias de corrupção foi à TV
conclamar o povo a sair "vestido de verde-amarelo" em sua defesa e o que viu nos
dias seguintes foi surgir uma mobilização de gente vestida de preto a pedir a
interrupção de seu mandato.
Qual a diferença entre as duas situações? Em essência, a natureza da
causa.
Inevitável pensar nesses dois acontecimentos quando se vê o principal réu do
processo do mensalão, o ex-ministro e deputado cassado José Dirceu, a conclamar
estudantes e movimentos sociais a se mobilizar contra não se sabe exatamente o
quê.
Dirceu não é específico. Pelo tom, pretende que as pessoas se mobilizem para
pressionar o Supremo Tribunal Federal a inocentá-lo: "Todos sabem que esse
julgamento é político, essa é uma batalha a ser travada nas ruas senão a gente
vai ouvir uma só voz, pedindo a condenação sem provas. É a voz do monopólio da
mídia".
Pelo texto do discurso dirigido à União da Juventude Socialista reunida em
seu 16.º congresso, José Dirceu gostaria que seus defensores ficassem
"vigilantes" para não permitir "um julgamento fora dos autos". Para garantir que
a "Justiça cumpra o seu papel" e impedir que o processo se transforme "no
julgamento de nossa geração".
Qual geração? A dele, a dos jovens estudantes ou dos dirigentes dos
movimentos sociais? Primeira dúvida.
Segunda: o que significa ficar "vigilante"? Vigiar os juízes, montar vigílias
nas praças? Terceira dúvida: de que maneira estudantes e movimentos sociais
garantem um "julgamento nos autos", dando lições de direito constitucional e
penal aos magistrados?
Quarta e última dúvida: em que momento Dirceu ouviu "a voz do monopólio da
mídia" defendendo a condenação?
Como não apontou casos específicos, cabe a pergunta genérica, pois no geral o
que se tem visto e ouvido é a defesa do julgamento ao tempo próprio. Seis anos
depois de oferecida a denúncia.
José Dirceu pode dizer o que quiser e, dentro das balizas legais, fazer o que
bem entender em sua defesa. Só não pode pretender fazê-lo sem contraditório.
Pode até mesmo acreditar que as massas tomem as ruas em prol de sua
absolvição, embora pareça inútil, pois as massas andam amorfas.
Tomem-se dois exemplos recentes, ambos estrelados pelo presidente do PT, Rui
Falcão. Primeiro ele pediu que apoiadores do partido clamassem pela instalação
de uma CPI com vista a "desmascarar os autores da farsa do mensalão". Nada,
silêncio sepulcral.
Depois, no episódio do encontro entre Lula e o ministro Gilmar Mendes no
escritório do advogado Nelson Jobim, convocou mobilização popular em defesa do
ex-presidente. Calados estavam os populares, calados ficaram.
Sem querer jogar água fria no entusiasmo de ninguém, resta uma evidência a
ser levada em conta: se já anda difícil reunir as pessoas em prol de boas
causas, muito mais difícil é lograr êxito em convocá-las a defender o
indefensável.
Em se tratando da estudantada, então, os tempos apresentam-se mais bicudos
agora que o Ministério Público investiga a União Nacional dos Estudantes e a
União Municipal dos Estudantes Secundaristas por malfeitos semelhantes aos
cometidos pelos tão criticados políticos: uso indevido de verbas públicas.
O jornal O Globo revelou que o procurador Marinus Marsico
identificou notas frias nas contas das entidades que receberam dinheiro do
governo e com parte dele compraram cerveja, vinho, cachaça, búzios, velas e
telefones celulares.
No dia seguinte, o mesmo jornal informou que nem um só tijolo da nova sede
pela qual a UNE recebeu R$ 30 milhões (de um total de R$ 44 milhões) há um ano e
meio, foi posto em pé.
De onde ficam prejudicadas as cordas vocais da moçada que José Dirceu convoca
a dar lições de legalidade aos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal.
Comentários:
Postar um comentário