Por Rolf Kuntz - O Estado de S.Paulo
Exportações empacadas, importações em alta, demissões na indústria e consumo
bem maior que no ano passado: esses dados são oficiais, mas o governo parece
ignorá-los e por isso insiste num diagnóstico falho e numa terapia errada para
os problemas de crescimento da economia brasileira. A política federal continua
dando prioridade ao consumo, como se a retração dos consumidores fosse o grande
entrave à expansão do Produto Interno Bruto (PIB), agora estimada em 2,5% pelos
analistas do setor financeiro e de consultorias e em 2,9% pelos economistas do
Banco Mundial (Bird). Os dados apontam claramente problemas do lado da oferta,
prejudicada por uma porção de ineficiências e custos absurdos. Ministros admitem
esses problemas, ocasionalmente, e a presidente Dilma Rousseff, de vez em
quando, menciona alguns componentes do custo Brasil, mas sem jamais formular uma
estratégia coerente e suficientemente audaciosa para aumentar o potencial de
crescimento do País.
Em março, o volume de vendas do comércio varejista foi 0,2% maior que o do
mês anterior e 12,5% superior ao de um ano antes. No primeiro trimestre, o
varejo vendeu 10,3% mais que no mesmo período de 2011. A expansão acumulada em
12 meses foi de 7,5%. Os dados são do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE). Segundo a mesma fonte, o emprego industrial diminuiu 0,3% de
março para abril. A comparação com abril do ano passado mostrou um recuo de
1,4%, sétimo resultado negativo nesse tipo de avaliação. Se o governo desse mais
atenção ao descompasso entre a evolução do consumo e a do emprego industrial,
talvez se dispusesse a rever seu diagnóstico. Mas esses dados parecem causar
pouco efeito em Brasília. Curiosamente, a combinação desses números com os do
comércio exterior também parece despertar pouco interesse entre os formuladores
da política econômica. Mas o resultado dessa combinação parece bastante claro
para justificar uma revisão da estratégia de crescimento seguida até agora.
Do início de janeiro até a segunda semana de junho, o Brasil exportou
mercadorias no valor de US$ 102,9 bilhões e gastou US$ 96,9 bilhões com produtos
importados. A receita comercial foi 0,4% menor que a de igual período de 2011,
pela média dos dias úteis. Pelo mesmo critério, a despesa foi 5,3% maior e o
superávit, 42,8% menor. Até o fim de maio a evolução havia sido um pouco menos
ruim, com exportações 1,5% maiores que as de um ano antes e importações 4,4%
superiores às dos primeiros cinco meses de 2011. Mas, no essencial, o cenário
era o mesmo, com vendas externas estagnadas e compras em clara expansão.
Esse descompasso ajuda a entender o contraste entre a evolução do consumo no
mercado interno e o desempenho da indústria. Os brasileiros continuam comprando
e, segundo pesquisa divulgada nesta terça-feira pela Associação Comercial de São
Paulo, os consumidores se mostram mais confiantes do que em maio do ano passado.
Para 51% dos entrevistados, a situação financeira atual é boa e para 59% deve
melhorar. Um ano antes, essas avaliações haviam sido apresentadas por 47% e 51%
das pessoas ouvidas pelos pesquisadores.
O otimismo dos entrevistados, dirão alguns, pode refletir um erro de
avaliação. Talvez, mas eles continuam comprando e mostram disposição de ir
novamente às lojas nos próximos meses, até porque a situação geral do emprego
ainda é boa. Houve ganhos de renda nos últimos anos e há crédito suficiente. A
indústria brasileira, no entanto, desfruta limitadamente dessa festa, enquanto
os produtores estrangeiros ocupam fatias crescentes do mercado. Isso já foi
mostrado em pesquisa da Confederação Nacional da Indústria sobre a participação
crescente dos importados no consumo interno: 22%, nos quatro trimestres
encerrados em março deste ano, recorde da série iniciada em 1996. O levantamento
incluiu tanto produtos finais quanto insumos processados no Brasil.
A presidente Dilma Rousseff insiste em cuidar do crescimento da indústria com
medidas protecionistas, políticas de preferência a componentes nacionais e
pressões para redução de juros. Já fala menos sobre a valorização cambial, um de
seus temas prediletos, por muito tempo, nos eventos internacionais.
Mas o governo faz muito pouco para cuidar dos custos e das ineficiências mais
importantes, limitando-se à política de pequenos remendos. A presidente já
deixou clara a disposição de promover apenas mudanças limitadas no sistema
tributário. Uma reforma séria e penosamente negociada com os governadores
continua fora da agenda. Também fora da pauta permanece um esforço mais sério
para eliminar o atraso nos investimentos em infraestrutura. É mais fácil
discursar e inflar os números com os financiamentos habitacionais.
* JORNALISTA
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