Por Dora Kramer - O Estado de S.Paulo
A CPI mais famosa do Brasil teria feito jus à fama e dado um bom sinal à
sociedade se tivesse aprovado ontem a convocação do empresário Fernando
Cavendish e do ex-diretor do Departamento Nacional de Infraestrutura de
Transportes, Luiz Antonio Pagot.
A boa notícia é que a recusa venceu por pouco. A má é que suas excelências
deixaram passar a melhor oportunidade até agora de marcar posição em favor do
presumido foco da comissão: desvendar a triangulação entre organização
criminosa, poder público e a empreiteira que saiu do nada e em dez anos virou
"top" sustentada por negócios governamentais.
E deixaram por qual razão? Segundo o deputado Miro Teixeira, em decorrência
da movimentação da "tropa do cheque".
Autoexplicativa, a expressão surgiu na cena política há 20 anos para definir
a motivação da "tropa de choque" que atuava em defesa do então presidente
Fernando Collor quando da CPI que resultou no processo de impeachment.
Talvez haja algum excesso no juízo formado pelo deputado e caberá à comissão
dirimir essa dúvida. Mas, como ele disse, a referência não foi mais específica,
não apontou nomes porque isso só seria possível se a respeito deles os
parlamentares ouvissem Pagot e Cavendish.
Ficou parecendo que a maioria governista da CPI não está suficientemente
motivada para enfrentar a questão. É o que se depreende da alegação de que as
convocações "no momento" não seriam produtivas.
Seria perfeitamente possível - mais que isso, necessário - aprová-las e
marcar a data dos depoimentos depois, de acordo com a conveniência estipulada
pelo surgimento de provas e indícios.
Sobretudo uma maneira eficaz de demarcar o terreno do antagonismo entre
investigadores e investigados, já suficientemente prejudicado por parlamentares
que abrem mão de questionar testemunhas para se ocupar do degradante ofício da
bajulação. Vale para governistas e oposicionistas.
A chance só não foi inteiramente perdida porque foram ditas coisas tão fortes
durante a sessão de ontem, a repercussão será tão negativa que dificilmente
deixará de haver um recuo (no caso, resultando em avanço) na próxima
reunião.
Se obscuros os motivos da recusa - sob o sofisma de que se trata de um
"sobrestamento" -, as razões para a aprovação dos depoimentos configuram-se
nítidas.
O dono da construtora Delta, afastado desde a eclosão do escândalo em
tentativa de se manter estrategicamente distante do centro dos acontecimentos,
andou falando (há gravações) sobre uma tabela de preços mediante a qual os
serviços de um senador lhe custaria R$ 6 milhões e a abertura de caminho para
obtenção de negócios a rodo sairia por algo em torno de R$ 30 milhões.
O ex-diretor do Dnit, que silenciou quando foi ouvido pelo Congresso sobre
sua demissão no ano passado em meio a denúncias de corrupção no Ministério dos
Transportes, já manifestou vontade de falar à CPI sobre uma alegada conspiração
entre a Delta e o grupo de Cachoeira para derrubá-lo.
A menos que venham a se desmentir, teriam contribuição substantiva a dar
sobre o objeto das investigações. A obrigação da comissão é tentar, não atuar na
base da adivinhação.
A recente declaração de inidoneidade que impede a empreiteira de participar
de licitações e firmar novos contratos com o poder público foi baseada num
episódio emblemático, reunindo Dnit e Delta: a descoberta de que a construtora
subornou funcionários do Ministério dos Transportes na regional do Ceará em
troca de relaxamento nos procedimentos de fiscalização de obras e serviços.
Juntando-se esse fato à referência de Cavendish sobre propinas, temos uma boa
pista de quais seriam as normas vigentes na casa que comandava. "Não foi um ato
isolado de corrupção", afirmou o ministro-chefe da Controladoria-Geral da União,
Jorge Hage.
A comissão ontem deu margem à desconfiança de que exista ali algum temor
relativo ao que Pagot e Cavendish possam falar. Levantou entre si e a opinião
pública uma forte barreira que se espera venha a derrubar em breve tempo. Para o
bem de todos.
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