VALOR
Por Graziella Valenti, Valor — São Paulo
Veja entrevista exclusiva concedida ao Valor por Claudio José de Oliveira, cuja plataforma de bitcoin está sem pagar o saldo de milhares de clientes há quatro meses
Com milhares de clientes com saldo preso há quatro meses sem uma justificativa provada, o Grupo Bitcoin Banco (GBB), dono das plataformas de negociação de criptomoedas NegocieCoins e TemBTC, agora diz que espera a normalização das atividades dentro de seis meses, ou seja, só em 2020. O dono do GBB, Claudio José de Oliveira, assumiu, em entrevista ao Valor, pela primeira vez, que tem um problema de liquidez no grupo.
Desde o início da crise, o empresário descumpriu as sucessivas e variadas promessas que apresentou como saída e também os acordos extrajudiciais que fechou com clientes. Ainda assim, Oliveira afirmou que, nesse prazo, espera ter quitado as dívidas e fala até em voltar a crescer.
Desde o fim de maio, os clientes das corretoras não conseguem sacar nem em bitcoins e nem em reais os seus saldos — parcial ou integralmente. Há problemas também nos depósitos no Bitcoin Banco. As estimativas sobre o tamanho do caso variam de R$ 200 milhões a R$ 800 milhões. Embora tenha concedido a entrevista, Oliveira não forneceu valores de ativos e passivos do GBB, nem uma explicação detalhada de como chegou até o atual o cenário. Tampouco apresentou como vai sair dessa situação e obter os recursos para saldar as pendências.
Nenhuma grande plataforma de criptomoedas no país passou tanto tempo sem dar saída aos usuários. Embora problemas com saques não sejam inéditos, as outras corretoras que conseguiram se manter no mercado resolveram suas dificuldades em poucas semanas.
No caso do GBB, são mais de quatro meses de paralisação naquela que se declarou a maior corretora do mundo, a NegocieCoins, controlada pelo empresário que recebeu a alcunha de “Rei do Bitcoin” do apresentador de televisão Amaury Júnior.
Oliveira, que abriu o GBB em 2016, disse que não se arrepende de nada, só da exposição causada pelas aparições no programa da Rede TV!. “Até então, ninguém sabia quem eu era.”
Cláudio Oliveira, sócio do GBB (Grupo Bitcoin Banco) — Foto: Guilherme Pupo/Valor
Na entrevista ao Valor, admitiu, pela primeira vez, que enfrenta um problema de liquidez dentro do GBB — e que gera atrasos até mesmo em contratos do banco de criptomoedas, além das corretoras. Ele disse que, como empresário, possui ativos imobiliários na Europa e saldo em investimentos na Suíça, mas que perdeu com as movimentações que fez dentro do grupo e com a alta da moeda virtual. Como em outros temas, não forneceu valores.
Mesmo assim, Oliveira insiste que o problema com saques deve-se principalmente a uma fraude realizada em seu sistema por diversos clientes. Esses usuários teriam duplicado seu saldo, aproveitando-se de uma brecha tecnológica. Por isso, diz, ainda não fez os pagamentos.
Com essa medida (de não pagar os investidores), alegou estar protegendo o saldo de quem não fez nada errado. Na mesma época que trouxe a história da fraude ao público, o Banco Brasil Plural fechou as contas usadas por suas corretoras, pois não recebeu “esclarecimentos satisfatórios” sobre questões de compliance.
Na história de Oliveira, os clientes duplicaram continuadamente seus saldos e fizeram lucros com transações fraudulentas. Nessa narrativa, o prejuízo foi de R$ 50 milhões, mas as operações potencialmente danosas chegaram a R$ 1 bilhão. Por enquanto, não há provas nem da fraude, nem dos volumes.
Eu sei quem são...
Ele disse aguardar um laudo da auditoria da EY que comprovará o ataque. Mas, segundo ele, o documento não trará os culpados. “Eu sei quem são, com base na minha própria investigação interna”, afirmou ele, sem contudo conseguir justificar porque, mesmo sabendo dos responsáveis, não paga os demais.
Consultada, a EY disse em nota que está “em fase de emissão do relatório”, mas que “a liberação de recursos de clientes é decisão de gestão da companhia, a qual é independente da conclusão de seus trabalhos”. O conteúdo do laudo, porém, é sigiloso.
Com as contas paradas, Oliveira e o GBB tornaram-se alvo de cerca de 300 processos judiciais espalhados pelo Brasil que bloqueiam, devido às cobranças, bens no país e até o passaporte de Oliveira. Nesta terça-feira, ele e sua empresa entraram também na mira da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que suspendeu a oferta dos produtos do GBB, de depósitos de bitcoins, em seu site.
O regulador explicou que se trata de um contrato coletivo de investimento (CIC) e que, portanto, precisa de registro na autarquia — ou dispensa, se for o caso — para ser comercializado, conforme determina a Lei 6.385. O grupo afirmou em nota que fará um estudo “pormenorizado” sobre o enquadramento à legislação e que, enquanto isso, cumprirá as exigências.
Oliveira se recusou a contar como mantém seus compromissos cotidianos e qual a situação dos litígios. Limitou-se a afirmar que as ações correm em segredo de Justiça e estão sob cuidado de seus advogados. Afirmou que possui diversos outros negócios, por meio da holding familiar Claudio & Lucinara (C&L), nome de sua esposa, com quem é casado desde 2008. Mas tampouco forneceu dados sobre o tamanho desses negócios, que incluem um hotel em Curitiba e alguns mercados na cidade.
Apenas 260 clientes com problemas
O empresário diz ter 150 mil clientes em cadastro nas plataformas, 30 mil ativos, mas que os problemas maiores de pagamento estão concentrados em apenas 260. “São só eles que agitam as reclamações. Eu já paguei quase R$ 200 milhões [entre reais e bitcoins], mas quem recebe não fica falando que está tudo certo.” A paralisação para saques e para qualquer movimentação, contudo, afetada a todos.
No dia 8 de setembro, o GBB anunciou que migrará os clientes da NegocieCoins para uma nova plataforma, a NegocieCoins Pro, e colocou limite de saque mensal para R$ 5 mil e 1 bitcoin. O objetivo é adotar o mesmo procedimento para a TemBTC. Oliveira disse se comprometer em honrar o investimento inicial dos clientes, com preferência para aqueles que nunca fizeram saques ou só parcialmente. Os lucros, contudo, serão negociados em uma proposta de acordo que ele levará aos usuários.
Contudo, o processo está distante da conclusão e os clientes alegam que continuam bloqueados. No dia da entrevista, em 12 de setembro, Oliveira disse que havia feito a migração de 16 mil contas. Na semana passada, ao atualizar o status, reduziu o número para 8 mil, alegando problemas técnicos.
Desde o início da crise, Oliveira já prometeu diversas soluções. Algumas passavam por pagar em mercadorias de seu site de compras em bitcoins, denominado Get4bit. “Não consegui executar nada porque toda vez vem a Justiça e bloqueia. Até iPhones que os clientes iriam receber”, tenta justificar ele. “Cada passo que eu dou para pagar, vem um advogado e coloca um arresto, uma liminar. Isso criou uma bola de neve que te impede de agir.” Ele não informa quanto tem bloqueado, mas fontes informaram ao Valor que estão na lista sua chácara, bens pessoais e carros de luxo. A próxima etapa dos processos judiciais é a fase de expropriação.
O GBB tem duas frentes de negócios. No Bitcoin Banco, que não é uma instituição financeira, mas sim local de estoque — “A gente fala banco de sangue, não fala?” — o empresário não aceitava depósitos em dinheiro. Lá, somente eram recebidas criptomoedas, em troca de uma remuneração que variava conforme o tipo de contrato e o tempo do depósito — a lista dos produtos está na página do grupo na Internet e foram justamente os alvos recentes da CVM. O GBB fazia, então, um contrato de mútuo com os clientes e ficava com o bitcoin para movimentar. Ao fim do prazo combinado, tinha de devolver a moeda mais a remuneração combinada. “Não tem nada de investimento. É um contrato de mútuo.”
Operação complexa
Na conversa com o Valor, Oliveira explicou que usava os bitcoins dos contratos de empréstimos do Bitcoin Banco para movimentar as plataformas das corretoras — nas quais atuou como uma espécie de market maker e tentou ganhar com arbitragem, ao mesmo tempo — em busca de taxas com as operações de clientes. Disse que usava também bitcoins próprios nessa estratégia. Declarado à Receita Federal, Oliveira disse ter 5 mil bitcoins em seu nome — equivalente hoje a cerca de R$ 180 milhões.
O Valor obteve um áudio no qual Oliveira afirma que antes do fechamento das contas, comprou todo saldo em criptomoedas: “Eu fiz uma coisa que não é legal e que ninguém percebeu. Ainda bem. Nem vou deixar perceber, que é a questão de pegar o saldo e comprar bitcoin”. Questionado, ele negou que isso tenha ocorrido nas contas usadas pelos clientes, mas apenas na do Bitcoin Banco.
Oliveira explicou que nas plataformas NegocieCoins e TemBTC ganhava com as taxas cobradas pela movimentação das transações dos clientes — 0,5% por compra ou venda e 0,9% para saques. Em março, no auge das movimentações, contou apresentador Amaury Jr. que teve receita de R$ 180 milhões. Com ela (a receita), mais ganhos com arbitragens, remunerava os bitcoins que tomava de empréstimo no Bitcoin Banco.
Nas corretoras, Oliveira criou um desconto artificial entre as duas que permitia que os usuários ganhassem infinitamente. Entre fevereiro e março deste ano, o valor do bitcoin oscilou de R$ 15 mil a R$ 20 mil. Nos meses seguintes, o preço teve uma alta forte e em maio chegou perto de R$ 45 mil — exatamente quando ele diz ter identificado a fraude no seu sistema.
Para quem negociava com papéis emprestados e tinha de devolvê-lo, a esticada foi muito grande. Na época, com a alta da criptomoeda, os clientes multiplicaram os saques. Foi quando veio a paralisação e a notícia da fraude.
Meu modo de gestão é assim...
Oliveira disse que poderia buscar ganhar com arbitragem das criptomoedas emprestadas pelo GBB em qualquer outra corretora do mundo, mas viu uma oportunidade em ter suas próprias casas. “O meu modo de gestão é assim. Prefiro que o dinheiro circule dentro dos meus negócios. Tenho empresa de segurança, de contratação de funcionários, de marketing. Para todo serviço que preciso, abro uma empresa. Se a gente não tivesse essa dificuldade, já estaria com uma empresa de Uber e uma gráfica.”
O empresário recebeu a reportagem na sede do GBB, em Curitiba, e de sua holding familiar. Foi em uma sala da C&L, identificada por um brasão com as letras iniciais do casal e uma coroa, que Oliveira começou a apresentar sua versão de como chegou a atual situação. O símbolo está no tapete de entrada e no estofado das cadeiras de sua sala, que fica ao fundo de um corredor iluminado por um telão com uma foto do casal se beijando em uma paisagem bucólica.
Tudo superlativo
A história de Oliveira é repleta de eventos extraordinários, tanto quanto a declaração de que tinha o maior volume do mundo em giro de bitcoins do planeta, da ordem de US$ 900 milhões ao dia — o que o site CoinMarketCap nunca admitiu como procedente. Natural de Anápolis, filho de um alfaiate e uma manicure, contou ter ganhado do Rotary Club uma bolsa para estudar fora do Brasil e ter se formado em Engenharia Financeira pela EPFL University, em Lausanne, na Suíça, onde viveu por 30 anos.
Oliveira discorreu sobre sua trajetória enquanto tomava água Evian, hábito que é recorrentemente citado por seus clientes descontentes. Durante a entrevista, o empresário se mostrou descontraído e brincalhão. Mas quase não disfarçou a contrariedade ao ser questionado sobre transmitir sinais de austeridade diante da crise — já que a garrafa individual não sai por menos de R$ 10. “Eu sempre tomei Evian. Isso aqui não tem nada a ver com o GBB. É o Cláudio na pessoa física.”
Em 2016, desistiu de construir uma fábrica de bucha vegetal em Curitiba, projeto que estava encaminhado, para abrir o Bitcoin Banco, depois de estudar o tema durante um fim de semana, provocado por um amigo da Suíça que quis saber como andava esse mercado por aqui.
“Não conhecia nada disso, mas fui estudar. Cheguei na segunda-feira e mudei tudo. Mas acho que nem se estivesse plantando bucha tinha tanta bucha como tenho hoje para resolver”, brincou.
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