terça-feira, 23 de janeiro de 2018

FRAUDE: MPF pede na Justiça Federal ressarcimento de R$ 23,1 milhões desviados da Região Serrana

OGLOBO.COM.BR
POR ANTÔNIO WERNECK

Recursos foram enviados pela União para socorrer vítimas da tragédia de 2011

As marcas das destruição das chuvas na Região Serrana, em 2011 - Hudson Pontes -31/03/2011 / Agência o Globo

RIO - Com passagens pelos governos de Sérgio Cabral e Luiz Fernando Pezão, o ex-secretário estadual de Obras do Rio, Hudson Braga, réu em ações penais da Operação Lava Jato no Rio, é uma das 52 pessoas que estão sendo processadas na Justiça Federal acusadas de irregularidades na aplicação de recursos públicos federais enviados ao Estado para socorrer as cidades da Região Serrana devastadas pelas chuvas de janeiro de 2011.
Sete anos depois da tragédia que matou mais de 900 pessoas, o Ministério Público Federal revelou que está pedindo ainda dos envolvidos nas fraudes o ressarcimento de R$ 23,1 milhões que foram supostamente desviados. Os valores são relativos ao ano de 2011 e podem ser corrigidos. O MPF também move ação para responsabilizar 16 empresas que teriam atuado em conluio com funcionários públicos e políticos.
As investigações do MPF contam com a participação da Polícia Federal, do Tribunal de Contas da União (TCU) e da Controladoria Geral da União (CGU). Ao todo a Justiça Federal instaurou 16 processos, entre ação criminal e de improbidade administrativa, com base em pedidos feitos por um grupo de procuradores com atuação na Região Serrana.
Segundo o MPF informou, como as investigações ainda continuam em relação a alguns contratos, novas ações criminais e por improbidade ainda devem ser ajuizadas. Apenas na primeira semana das chuvas, o governo federal enviou cerca de R$ 100 milhões para socorrer as sete cidades castigadas pelo temporal.
O subsecretário estadual de Obras na época da tragédia, Hudson Braga — que está preso na Cadeia Pública de Benfica por determinação do juiz Marcelo Bretas, titular da 7ª Vara Criminal do Rio — responde a processo por improbidade administrativa juntamente com o atual secretário estadual de Governo, Affonso Henrique Monnerat. Na época da tragédia, Monnerat era subsecretário Extraordinário para a Reconstrução da Região Serrana.
O MPF pede na Justiça que os dois sejam condenados por supostas irregularidades ocorridas na contratação de empresas em janeiro de 2011. As irregularidades envolveriam a aplicação de R$ 80 milhões enviados pela União especificamente para a recuperação e reconstrução de pontes destruídas pelas chuvas.
Segundo o MPF, Hudson Braga e Affonso Monnerat, teriam cometido várias irregularidades, como : dispensa de licitação por prazo excedente ao admitido para a hipótese de calamidade pública; contratação sem projetos básicos adequados; adoção de preços antieconômicos e direcionamento fraudulento das avenças em proveito de empresas determinadas; retardamento injustificável no saneamento das pendências existentes descritas no plano de trabalho.
Para o MP, os dois ainda, com o propósito de se furtarem à responsabilização em função das irregularidades perpetradas, “teriam dado causa conscientemente à expiração do prazo contratual, sem que os objetos das contratações fossem efetivados”. Citando um exemplo concreto, os procuradores disseram que em dezembro de 2011, quando expiraram os prazos dos contratos celebrados, das 41 pontes contratadas apenas uma estava concluída e outra se encontrava em estágio final de construção.
O secretário estadual de Governo, Affonso Henrique Monnerat, por meio de sua assessoria, negou qualquer irregularidade no processo. Segundo ele, “não é discutido no processo qualquer tipo de dano ao erário, e, sim, os procedimentos utilizados para sanear os danos emergenciais causados e a reconstrução das pontes”. O secretário também informou que um perito nomeado pelo juiz do processo, o engenheiro Plínio Tourinho, “emitiu um extenso laudo em que constata que a situação realmente era de uma tragédia sem precedentes, além de afirmar que os procedimentos adotados foram corretos, não havendo como responsabilizar os réus”.
De acordo com Affonso Monnerat, o perito concluiu ainda “que em função das profundas modificações topográficas, geofísica e hidráulicas ocorridas na Região Serrana, muito pouco poderia ser feito pelos réus no que tange a reconstrução das pontes antes da limpeza prévia e dos necessários levantamentos para conhecimento dos novos parâmetros de campo, para aí sim, elaborar os necessários projetos para a reconstrução dos locais atingidos pela catástrofe climática”.
O envolvimento de empresários, políticos e funcionários público em supostos casos de desvios de recursos públicos foi revelado numa série de reportagens de O GLOBO. Em junho de 2011, seis meses após a tragédia, o jornal mostrou que enquanto equipes trabalhavam dia e noite nas buscas por sobreviventes, um grupo teria acertado o reajuste de propinas para aprovar contratos sem licitação, supostamente embolsando verba liberada para ajudar sobretudo os mais necessitados atingidos pelas chuvas. A investigação revelou ainda que o percentual da propina cobrada, que normalmente era de 10%, na tragédia quadruplicou, passando para 50%.
As investigações começaram com o relato de um empresário ao MPF de Teresópolis. Disposto a contar tudo o que sabia em troca de perdão judicial e proteção para sua família, ele recorreu à delação premiada (quando um criminoso faz acordo com a Justiça, ajudando nas investigações) para revelar um suposto esquema de corrupção que funcionava nas prefeituras, envolvendo empresas que atuaram em pelo menos quatro municípios da Região Serrana na época da tragédia; prefeitos, políticos e secretários municipais.
Também estão sendo processados pelo MPF, o engenheiro Ícaro Moreno Júnior, ex-diretor-presidente da Empresa de Obras Públicas do Estado do Rio de Janeiro (Emop); e dois ex-prefeitos: Dermeval Barboza Moreira Neto (de Nova Friburgo) e Jorge Mario Sedlacek (de Teresópolis). Ícaro responde a sete ações, mesmo número de processos que o MPF move contra o ex-prefeito de Nova Friburgo. O GLOBO não conseguiu contato com Ícaro, Dermeval e Jorge Sadlacek.
Oficialmente as chuvas mataram 918 pessoas e deixou um saldo de 99 desaparecidos. Apesar disso e em pleno período de chuvas fortes no estado, reportagem do GLOBO há duas semanas mostrou que famílias inteiras ainda vivem em áreas de risco. Um levantamento do jornal baseado em informações da Defesa Civil e de associações de moradores revelou um dado impressionante: 171,8 mil pessoas ocupam casas que podem ser atingidas por quedas de barreiras, deslizamentos de terra ou enchentes nos municípios de Nova Friburgo, Teresópolis, Petrópolis e Bom Jardim. O número corresponde a 23% do total de habitantes das quatro cidades.
O MPF informou que até agora identificou desvios em verbas federais transferidas as prefeituras de Nova Friburgo e Teresópolis, e também ao governo do estado. Há desde casos de superfaturamento em contratos, desvios de recursos, fraudes e falsidade ideológica.
Um levantamento do deputado estadual Luiz Paulo Corrêa da Rocha (PSDB), feito a pedido do GLOBO, revela que os recursos aplicados pelo governo do Rio na prevenção de chuvas e enchentes foram mínimos nos últimos três anos. Ele disse, depois de analisar os números de investimentos em 2015, 2016 e 2017, que a situação é crítica.
— Eu não tenho a menor dúvida que a população está bastante vulnerável nesse verão, quando o estado historicamente registra grandes volumes de chuva — afirmou o deputado estadual Luiz Paulo.
Segundo o parlamentar, em três anos cerca de R$ 46 milhões foram aplicados pelo governo do Rio efetivamente na ampliação do sistema de alerta e alarme; na contenção de encosta e na gestão de bacias hidrográficas em todo o estado. Isso representa dizer que foram gastos uma média de R$ 15,3 milhões por ano, ou algo próximo de R$ 1,2 milhão por mês na prevenção de chuvas para todos os 92 municípios do estado.
— Isso é muito pouco. Um valor irrisório. Um exemplo: em 2017, em todo o ano, o estado efetivamente aplicou R$ 843 mil para obras de contenção de encosta e talude em áreas consideradas de risco. O valor é quase zero. Pouquíssimo — revelou o deputado.
Com aportes do governo federal, a secretaria estadual de Obras informou que o governo tem, ao longo dos últimos seis anos, feito investimentos na ordem de cerca de R$ 1,5 bilhão em contenção de encostas ( R$ 527,5 milhões), construção e recuperação de pontes (R$ 101,7 milhões); unidades habitacionais (R$ 598,9 milhões), e indenizações de famílias retiradas de áreas de risco.

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